13 de abr. de 2011

Doping genético: O ataque dos mutantes

Sportv repórter - Doping genético
Programa alemão sobre doping genético traduzido para o português pela Sportv.

Clique aqui para assistir.

21 de dez. de 2009

Doping genético: Situação atual e necessidades educativas

Ramirez, A. Doping genético: Situação Atual e necessidades educativas, Revista Brasileira de Ciências da Saúde, ano VII, n 21, jul/set 2009.

1. NOVAS TENDÊNCIAS

Inicialmente oficializado como “a utilização não terapêutica de genes, elementos genéticos e/ou células com capacidade de melhorar o desempenho esportivo” pela Agência Mundial Anti Doping (WADA) em 2003, o termo doping genético tem sofrido atualizações a cada ano por meio da lista de substâncias e métodos proibidos desta Agência. Passou de “utilização não terapêutica de células, genes, elementos genéticos ou de modulação da expressão gênica com capacidade de melhorar o desempenho de atletas e praticantes de esportes” em 2006, à “transferência de células ou elementos genéticos, ou uso de células, elementos genéticos e agentes farmacológicos para modulação da expressão de genes endógenos com a capacidade de aumentar a performance atlética”, incluindo os agonistas do receptor delta ativado de proliferação peroxissômica (PPARδ) e da proteína quinase dependente do AMP ativada por este mesmo gene (AMPK) tais como os genes GW1516 e o AICAR respectivamente, como proibidos em 2009. A atualização mais recente da lista, publicada no início de outubro deste ano e que entrará em vigor em 2010, já disponível para consultas no portal da Agência (www.wada-ama.org), simplificou a definição por tópicos e manteve os mesmos genes como proibidos.

2. M3. DOPING GENÉTICO
O que se segue, com o potencial de aumentar a performance atlética, é proibido:
1- A transferência de células ou elementos genéticos (por ex. DNA, RNA);
2- O uso de agentes farmacológicos ou biológicos que alteram a expressão gênica
Agonistas do receptor delta ativado de proliferação peroxissômica - PPARδ (ex. GW1516) e da proteína quinase dependente do AMP ativada pelo receptor delta ativado de proliferação peroxissômica – AMPK (ex. AICAR) são proibidos (WADA, 2009a).

A possibilidade de haver doping genético nos atletas começou a preocupar a Comissão Médica do Comitê Olímpico Internacional (COI) em 2001 em virtude das perspectivas em genética humana e médica, mais especificamente em terapias gênicas. O COI submeteu a questão à apreciação da WADA que, por sua vez, adotou o termo e o caracterizou como método proibido. Informações mais detalhadas a respeito da história e dos motivos que levaram a Agência a considerar este método como doping podem ser encontradas em Ramirez & Ribeiro (2005), Ramirez (2007) e Miah (2008) em português, e em Solomon et al. (2009) e Wackerhage et al. (2009) em inglês.

Apesar da superestimação da capacidade das descobertas recentes da biologia molecular em estudos genômicos incorrer à filosofia “um único gene como míssil mágico” adotada por alguns protagonistas do esporte, criticada por Davids & Baker (2007), o desenvolvimento de pesquisas na interface entre estes estudos e as atividades físicas e esportivas está ocorrendo justamente devido às pesquisas de atuação e detecção de genes específicos com potencial de aumentar o desempenho esportivo, ou seja, doping e anti-doping genético.

O mapa de genes relacionados ao fitness e à performance esportiva, elaborado e atualizado anualmente pelos pesquisadores do grupo do geneticista Claude Bouchard desde 2001, tem colaborado para a identificação de genes candidatos ao doping genético. A atualização mais recente inclui 214 genes autossômicos, sete no cromossomo X e 18 genes mitocondriais (Bray, 2009). Informações mais específicas sobre os principais genes candidatos ao doping genético e seus mecanismos de atuação no corpo humano encontram-se nas revisões de Ramirez (2005), Dias et al. (2007) e Artioli et al. (2007) em português e, em Azzazy (2009), Wells (2009) e Gatzidou (2009) em inglês.

O incentivo da WADA financiando projetos de pesquisas visando o anti-doping genético também tem contribuição significativa para o desenvolvimento de pesquisas na área. Atualmente esta Agência contabiliza 34 projetos dos quais, 11 já foram finalizados, dois são para detecção não invasiva de doping genético, e quatro utilizam a dispendiosíssima tecnologia de microarranjos de DNA (WADA, 2009b). Além disso, o PubMed, principal banco de dados de artigos científicos na área da Saúde, classifica atualmente 114 artigos científicos indexados sob a palavra-chave “gene doping”. Apesar de 39 destes artigos serem de revisão observa-se produção científica e o estabelecimento de uma área de pesquisa.

Porém, enquanto geneticistas interessados nas questões relacionadas ao Esporte são recrutados a encontrar soluções em anti-doping genético, segue na outra ponta do sistema, uma dúvida sobre como o conhecimento por parte dos atletas a respeito do tema vem sendo absorvido e tratado na prática esportiva. Pesquisadores como Mottram et al. (2008) e Azzazy et al. (2009) também revelam esta preocupação. Ademais a própria WADA está com edital aberto para desenvolvimento de educação à distância de jovens atletas (WADA, 2009c).

Segundo Azzazy et al. (2009) as descobertas dos efeitos de mutações nos genes PEPCK e PPAR δ, responsáveis por aumentos expressivos na velocidade de corrida de ratos de laboratório, acrescidas aos riscos que a manipulação genética podem provocar à saúde, tornam mais imperativo que se estabeleçam métodos de detecção adequados e caminhos para educar verdadeiramente a comunidade atlética sobre o tema e as implicações da terapia gênica e do doping genético. Para Mottram et al. (2008) é evidente que os atletas de elite necessitam de programas de educação específicos para a tomada de decisões consciente a respeito dos fármacos estimulantes vendidos sem prescrição médica para finalidades de tratamento ou de aumento de desempenho esportivo. Segundo os autores também seria incumbência das federações nacionais e dos médicos assegurar que os atletas estejam completamente consciente de suas responsabilidades no esporte sem drogas.

Nesse sentido também se desenvolve a pesquisa exploratória de Toma (2009) a fim de avaliar o conhecimento e a opinião dos atletas brasileiros a respeito do doping genético. Os resultados preliminares revelaram que, dos 40 atletas de alto rendimento esportivo, 32,5% nunca ouviu falar a respeito de doping genético e, apesar de 55% ter respondido que faria uso da terapia gênica como tratamento para reduzir o tempo de recuperação de lesões esportivas, apenas 27,5% respondeu que utilizaria a terapia gênica para ficar mais rápido, mais ágil ou forte.

Levando em consideração também os resultados de Mottram et al. (2008) no qual 50,5% dos atletas revelou conhecer a penalidade decorrente do uso de medicamentos estimulantes, apesar de apenas 35,1% ter identificado corretamente as substâncias da lista proibida, fica evidente que em termos morais os atletas se posicionam contra qualquer tipo de doping sem no entanto, compreender adequadamente todos os aspectos da dopagem, inclusive os científicos, para a tomada consciente de suas decisões.

Torna-se, portanto, extremamente necessária a elaboração de programas educativos e de divulgação científica sobre dopagem em geral e, mais especificamente, sobre terapia gênica e doping genético, bem como suas consequências para a saúde humana, entre os atletas e demais agentes envolvidos com o Esporte.

Referências
Artioli G.G., Hirata R.D.C, Lancha Junior A.H. Terapia gênica, doping genético e esporte: fundamentação e implicações para o futuro. Rev Bras Med Esporte. 13(5):349-354, 2007.

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WADA, Projetos WADA, 2009b.
http://www.wada-ama.org/en/dynamic.ch2?pageCategory.id=347

WADA, Request for Proposals -Development of a Computer-Based Informal Learning Solution, 2009c.
http://www.wada-ama.org/rtecontent/document/PTGen_YOG_Learning_Tool_RFP.pdf

Wells D.J. Gene doping: Possibilities and Practicalities. Med Sport Sci. 54:166-175, 2009.

Endereço para correspondência:
Rua Galvão Bueno 707, Liberdade, São Paulo, SP, 01506-000.
Endereço eletrônico: aramirez@fmu.br

20 de dez. de 2008

Pesquisa genética no Esporte e o conflito suscitado pelos atletas geneticamente modificados



Em 1856, quando Mendel estabeleceu as leis da hereditariedade, seria impossível prever o desenvolvimento e as perspectivas da genética para este século, inclusive no Esporte. Recente, e resumidamente, vivenciamos no cenário internacional a discussão acerca dos alimentos transgênicos (1996), a clonagem da ovelha Dolly (1997), o seqüenciamento do genoma humano (2001), os estudos na área da proteômica (1998) e mais recentemente da metabolômica (2003), além das pesquisas focadas nas perspectivas em terapias gênicas para a cura de enfermidades humanas (desde 1990).


No Brasil, principalmente após a qualificação técnica oriunda do projeto de seqüenciamento da Xyllela fastidiosa (2000), a pesquisa genética adquiriu qualidade internacional, especialmente com relação à genética humana e médica, área na qual assinamos diversos artigos científicos em revistas internacionais relatando ineditismo na identificação e seqüenciamento de genes humanos responsáveis por doenças genéticas tais como câncer, distrofias musculares e doenças cárdio-vasculares dentre outras, além do desenvolvimento de técnicas laboratoriais inovadoras. Não obstante, o país se mostra na vanguarda científica diante da resolução do Supremo Tribunal de Justiça pela continuidade das pesquisas com células-tronco embrionárias, sem perder o compromisso ético anteriormente estabelecido por meio da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (1996).


De fato as pesquisas visando terapias gênicas nacionais e internacionais, incluindo, células-tronco somáticas e embrionárias, prometem uma mudança no paradigma clínico quanto à prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças humanas herdadas e adquiridas. Apesar de ainda estarem restritas a protocolos experimentais e distantes de políticas de saúde pública, consistem basicamente na introdução de genes ou células geneticamente modificadas nos tecidos humanos com o objetivo de bloquear a atividade de genes prejudiciais, ativar mecanismos de defesa imunológica, ou produzir moléculas de interesse terapêutico. Entretanto, desde 2001 tais pesquisas forneceram elementos que geraram um conflito rotulado por doping genético no Esporte em 2003.


Como discernir se a presença de atletas geneticamente modificados no esporte terá sido por terapia gênica ou doping genético? Na tentativa de resolver a questão a Agência Mundial Anti-Doping (WADA) tem disponibilizado verbas aos geneticistas interessados em pesquisar tecnologias anti-doping genéticos. Atualmente existem 144 projetos, alguns já concluídos e com resultados disponíveis, no portal da WADA.


Seria o momento de celebrarmos a interdisciplinaridade científica entre o Esporte e a Genética em prol do desenvolvimento científico e tecnológico se não houvesse o registro histórico do Programa de Genética e Biologia Humana realizado pelo Comitê organizador dos Jogos Olímpicos do México em 1968, com apoio da Comissão Nacional de Energia Nuclear Mexicana, do COI e da Federação Internacional de Medicina do Esporte cujos objetivos foram investigar: a) a genealogia esportiva dos atletas, b) os traços genéticos relacionados às habilidades esportivas, c) a interação entre genética e fatores ambientais envolvidos no treinamento, d) aplicar os resultados destas investigações na compreensão da biologia e da genética humana, e) aplicar os resultados à detecção de talentos esportivos.


Dentre os vários motivos especulativos que poderiam ser apontados para explicar a descontinuidade de projetos deste porte nas versões subseqüentes dos Jogos Olímpicos está a questão da eugenia, suscitada quando o assunto é direcionado para a detecção e seleção genética de talentos esportivos. Mas será que, diante da possibilidade concreta de modificações genéticas todos os pais de atletas e os próprios atletas desejariam modificar exatamente os mesmos genes? Ou será que haveria uma gama indetectável de modificações genéticas que poderiam promover aumento no desempenho esportivo?


O fato é que o incentivo ao desenvolvimento da pesquisa genética para além da mera busca por testes antidoping genéticos ofereceria, atualmente, maiores condições para responder às questões propostas pelo programa mexicano, auxiliaria no desenvolvimento de terapias gênicas para a medicina desportiva; colaboraria com o acompanhamento médico longitudinal de atletas visando um esquema antidoping preventivo considerando a variabilidade genética de cada atleta e; melhoraria a compreensão de processos genéticos envolvidos com a promoção e manutenção da saúde humana em geral.


Cada vez mais os pesquisadores brasileiros têm formação e competência técnica para auxiliar no resgate desta lacuna de pesquisa genética no Esporte e retirá-lo do conflito imposto pelo desenvolvimento desta tecnologia no Brasil e no Mundo. Falta apenas uma compreensão mais ampla da Genética humana e incentivo político.


Certo de que as perspectivas da genética modificarão a estrutura do Esporte da mesma maneira que as demais estruturas das sociedades, o filósofo britânico Andy Miah, da universidade de Glasgow e autor do livro Atletas geneticamente modificados (traduzido pela editora Phorte), contribui com uma reflexão filosófica questionando eticamente os valores do Esporte diante da inserção de atletas geneticamente modificados de forma intrigante, pois além de não encontrar argumentos éticos para se proibir as modificações genéticas nos atletas “Os argumentos éticos contra o uso do doping no esporte não têm a mesma força quando aplicados à modificação genética. Além disso, seria um erro categorizar melhoramento genético meramente como outra forma de doping, já que é, conceitualmente e culturalmente, um tipo diferente de tecnologia”, ele afirma que o Esporte precisa da modificação genética. Vale a pena conferir.

10 de mai. de 2007

Aspectos históricos da pesquisa genética em atletas e a participação do Comitê Olímpico Internacional

Ramirez, A. Aspectos históricos da pesquisa genética em atletas e a participação do Comitê Olímpico internacional. In: Universidade e Estudos Olímpicos: Seminários Espanã-Brasil 2006. Moragas M & DaCosta L (orgs). Centre d'Estudis Olímpics UAB, Barcelona, 448-457, 2007.


Lately genetics has been more than a science of human inheritance. It has been providing us with knowledge and biotechnology tools to understand gene behavior and functions. In humans it has been specially providing perspectives to the development of human gene therapy. However, it has also been offering conditions to the development of the so-called gene doping in sports: an unappropriated use of gene therapy. This chapter briefly outlines gene doping, historical attempts and intervenient factors to the development of genetic research in sport participants and athletes, and design some perspectives to understand genetics as a helpful science in the future of sport. In addition, the role of the International Olympic Committee in the recent developments of genetics issues is analyzed.

A Genética que, além dos fenômenos da hereditariedade atualmente se incumbe do estudo do comportamento e das funções dos genes, tem prestado uma série de benefícios à humanidade desde o início do século passado, quando os experimentos de Mendel foram compreendidos. Nos seres humanos os benefícios se estenderam à compreensão da transmissão das informações genéticas entre os povos, principalmente das responsáveis por síndromes cromossômicas e doenças genéticas. Recentemente o mapeamento dos genes humanos (HGP, 2006) impulsionou os estudos de expressão dos genes ampliando as perspectivas para as terapias gênicas. Em contrapartida, tais pesquisas também têm proporcionado ferramentas para o desenvolvimento do recém denominado doping genético pelo esporte (Ramirez e Ribeiro, 2005).

O termo doping genético, definido como a utilização não terapêutica de células, genes, elementos genéticos ou de modulação da expressão gênica com capacidade de melhorar o desempenho esportivo, foi estabelecido pela Agência Mundial Anti-Doping em 2002 e se oficializou por ocasião da atualização de 2003 da lista proibida (WADA, 2006a). No âmbito da genética clínica, apesar de pouco sucesso documentado, e de algumas intercorrências, a terapia gênica tem se revelado como uma crescente influência no paradigma clínico para o tratamento de doenças herdadas e não herdadas. Os protocolos de terapia gênica vêm sendo desenvolvidos desde 1990 (Culver, 1996) consistindo basicamente em introdução de genes normais responsáveis por produtos terapêuticos, ou de células geneticamente modificadas, com a finalidade de bloquear a atividade de genes prejudiciais, de ativar mecanismos de defesa imunológica, ou ainda de produzir moléculas de interesse terapêutico (Nardi & Ventura, 2005). Portanto, doping genético seria o uso inapropriado de terapia gênica visando o aumento do desempenho esportivo.

De fato a Comissão Médica do Comitê Olímpico Internacional começou a se preocupar com a possibilidade de haver alterações gênicas como doping no esporte em 2001(COI, 2001). Naquele ano o COI submeteu a questão à apreciação da Agência Mundial Anti-Doping (WADA, 2001a,b) que, por sua vez, organizou dois simpósios com o apoio do COI. O primeiro nos Laboratórios Cold Spring Harbour em Nova Iorque em 2002 e o segundo em Estocolmo, com a colaboração do Instituto Karolinska e da Confederação Esportiva Sueca em 2005 (WADA, 2006b). Atualmente a WADA têm solicitado apoio aos geneticistas na elaboração de técnicas que visem o anti-doping genético. Porém, como o foco principal dos geneticistas é o desenvolvimento de terapias gênicas, e não exatamente atender a demanda esportiva, a questão ainda é recebida com certa resistência pela maioria destes pesquisadores.

Realmente são poucos os geneticistas envolvidos com as questões esportivas e poucos os trabalhos já realizados nesta área em comparação com as outras sub-áreas da genética humana (Ramirez & DaCosta, 2006). Pressupõe-se que, pelo menos em parte, o escasso desenvolvimento da pesquisa genética no Esporte também se deve à incompreensão da aplicabilidade da mesma como Ciência pelo Esporte até o presente momento.

Entretanto, em 1967, estabeleceu-se pioneiramente na história olímpica o Programa de Genética e Biologia Humana. Ele foi desenvolvido com os esforços colaborativos do Comitê organizador do 19º Jogos Olímpicos e da Comissão Nacional de Energia Nuclear do México com o apoio do COI e da Federação Internacional de Medicina do Esporte (DeGaray et al., 1974). Geneticistas de diversos países foram convidados a participar de simpósios que definiram os seguintes objetivos para o programa: 1) investigar a genealogia esportiva dos atletas, 2) investigar os traços genéticos relacionados às habilidades esportivas, 3) investigar a interação entre genética e fatores ambientais envolvidos no treinamento, 4) aplicar os resultados destas investigações na compreensão da biologia e da genética humana, 5) aplicar os resultados à detecção de talentos esportivos.

Para atingir estes objetivos foram utilizados os testes disponíveis pela Genética Médica à época, tais como: reação gustativa à feniltiuréia (sensibilidade ao PTC), tipagem sanguínea, dermatoglifia e citogenética. Porém, apesar dos resultados interessantes sob o ponto de vista científico, eles se revelaram ineficazes para atender às expectativas do Esporte, principalmente quanto à detecção de talentos esportivos. Este deve ter sido um dos principais motivos que levou ao desinteresse em se realizar novas pesquisas genéticas nas Olimpíadas subseqüentes.
Outro fator interveniente do avanço da pesquisa genética nesta área é a própria natureza das características genéticas que constituem o fenótipo atlético. Trata-se de características condicionadas por mecanismos de herança multifatorial. Isto significa que uma determinada característica atlética, responsável por contribuir para um bom desempenho esportivo, é determinada por vários genes que estão sujeitos à ação ambiental. A figura 1 ilustra esta inter-relação entre a constituição genética, o ambiente e o desempenho esportivo. Devido a esta complexidade a pesquisa genética humana baseia-se na aplicação de biomarcadores para avaliar as características genéticas e a relação destas com o ambiente, objetivando a compreensão do fenótipo desejado que, neste caso, seria o desempenho esportivo.









Fig.1 - Inter-relação entre a constituição genética, o ambiente e o desempenho esportivo. O uso de biomarcadores, principalmente em estudos epidemiológicos, pode contribuir para a compreensão desta inter-relação.

Um aspecto que requer consideração especial é a dificuldade enfrentada pelos geneticistas de estabelecer biomarcadores eficientes a fim de separar os viézes ambientais em pesquisas que envolvem herança multifatorial. Entretanto, apesar desta dificuldade, a literatura revela algumas iniciativas em pesquisas que se sucederam ao Programa de Genética e Biologia Humana. A pequena revisão de von Bracken (1972) apresenta alguns estudos sobre a genética do rendimento desportivo, Jokl & Jokl (1968) escreveram sobre os aspectos determinantes da condição atlética e Kovar (1980) sobre os aspectos genéticos envolvidos nas habilidades motoras.

Contribuições mais voltadas para o ambiente olímpico foram os artigos apresentados no Congresso Olímpico de 1984 sobre esporte e genética humana organizados por Malina & Bouchard (1986). Importante ressaltar ainda, o incentivo financeiro do COI ao grupo de pesquisadores liderados por Klissouras no desenvolvimento da pesquisa sobre os limites genéticos da performance esportiva em atletas gêmeos (Parisi et al., 1998). Os gêmeos univitelíneos revelam a distinção entre as características genéticas herdadas e as ambientais. Com o objetivo de compreender o papel do genótipo nas respostas cardiovasculares, metabólicas e hormonais ao treinamento aeróbico foi criado o programa HERITAGE (Bouchard et al., 1995) que analisou biomarcadores fisiológicos tais como consumo máximo de oxigênio, freqüência cardíaca, lactato sanguíneo, glicose, lipídios plasmáticos, lipoproteínas, hormônios esteróides e glicocorticóides plasmáticos entre outros, em 130 famílias. Os resultados deste programa se desdobraram em vários artigos subseqüentes e na elaboração de livros sobre genética, atividade física, performance e saúde (Bouchard et al., 1997; Bouchard et al., 2006). Não obstante, este mesmo grupo de pesquisadores tem compilado dados de pesquisas genéticas compondo um mapa dos genes relacionados aos fenótipos de desempenho físico e saúde (Rankinen et al., 2001). Este mapa tem sido anualmente atualizado.

Atualmente os próprios genes e seus produtos têm sido empregados como biomarcadores em pesquisas genéticas humanas. Por isto os genes EPO, GDF-8 e IGF-1 e suas respectivas proteínas eritropoietina, miostatina e hormônio de crescimento semelhante à insulina (Ramirez, 2005), poderiam ser utilizados como biomarcadores a serem estudados em atletas ao invés de serem vistos apenas como fortes candidatos ao doping genético.

Considerando a situação atual do doping genético, e as perspectivas da genética de modificar o esporte (Miah, 2004), parece que o desenvolvimento de pesquisas nesta área, paralelamente às discussões éticas, será fundamental para o futuro do Esporte. Além disto, tais pesquisas podem ajudar a embasar o acompanhamento médico longitudinal de atletas visando um esquema antidoping preventivo, identificar atletas sob o risco de desenvolver doenças genéticas tardiamente, auxiliar no desenvolvimento de terapias gênicas para recuperação de tecidos de regeneração lenta, e a compreender processos genéticos envolvidos com a promoção e manutenção da saúde humana de um modo geral.


Referências
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23 de set. de 2006

Pesquisa genética e Esporte

Ramirez, A. & DaCosta, LP. Pesquisa genética e Esporte. In: Atlas do Esporte no Brasil II. Rio de Janeiro, 2006 (no prelo).

Definições e origens Por definição a genética é a ciência que estuda os genes, a hereditariedade, e a variação nos organismos. A palavra foi usada pela primeira vez pelo cientista inglês William Bateson em 1905. De origem grega, genno significa dar à luz, nascimento. Antes mesmo da existência da palavra foram realizados vários estudos sobre hereditariedade, dos quais se destacaram os experimentos com cruzamentos de ervilhas realizados pelo monge austríaco Gregor Mendel, publicados em 1865. Posteriormente, descobertas citológicas levaram a crer que os genes estavam contidos nos cromossomos e estes, por sua vez, no núcleo de cada célula dos seres vivos eucariontes. A Teoria Cromossômica da Herança foi estabelecida em 1902-03 por Sutton e Boveri e comprovada por Morgan em 1910. Esta teoria, aliada à compreensão das Leis de Mendel, formaram a base do entendimento da herança de caracteres monogênicos ou simplesmente, da hereditariedade. Atualmente a genética pode ser definida como a ciência que estuda, além dos fenômenos da hereditariedade, também o comportamento e as funções dos genes. Genes são unidades físicas e funcionais da hereditariedade, formados por segmentos específicos da molécula de DNA, localizados nos cromossomos, que codificam um produto funcional (proteínas ou somente RNA). A maioria dos geneticistas atuais concentra-se nos estudos dos genes e, mais especificamente, em como eles atuam e interagem entre si. Este ramo moderno da genética, especificamente interessado no estudo dos genes (Genômica), das proteínas (Proteômica) e mais recentemente do metabolismo (Metabolômica), também de domínio da bioquímica, é amplamente conhecido no meio acadêmico por Biologia Molecular, muitas vezes equivocadamente divulgado como Engenharia Genética. Todo este arcabouço elaborado pelos estudos moleculares tem sido atualmente aproveitado como ferramentas para a manipulação de DNA de mamíferos, inclusive do ser humano e, portanto, compõem o que chamamos de ferramentas moleculares que se prestem às novas tecnologias biomoleculares. Definimos tecnologias biomoleculares como o conjunto das técnicas de manipulação de DNA, RNA e/ou proteínas, que incluem extração, quantificação, amplificação, marcação, localização de genes, isolamento, sequenciamento, transferência e clonagem para a realização de terapias gênicas, inclusive o “doping genético”. A história da genética no esporte pode remontar à Mitologia Grega quando, há mais de 2.500 anos, o recém nascido Hércules teria estrangulado uma cobra em cada mão enquanto a deusa Hera tentou matá-lo. Esta força lendária, provavelmente um caso de mutação genética relacionada ao gene codificador da miostatina, teria sido óbvia ao nascimento e não resultante de um programa de exercícios (Catipovic, 2004). Contemporaneamente, o interesse do Esporte pelos estudos genéticos parece datar de 1967, quando foi concebido o “Programa de Genética e Biologia Humana”, coordenado e dirigido pelo Dr. Alfonso León de Garay com apoio da Comissão Nacional de Energia Nuclear do México, do COI e da Federação Internacional de Medicina do Esporte. Na verdade a Comissão Nacional de Energia Nuclear do México já havia apoiado a pesquisa antropométrica desde 1958 cujos resultados preliminares foram obtidos durante os Jogos Olímpicos de Roma – 1960 e apresentados em The Physique of the Olympic Athlete de J.M Tanner e Olympiad de V. Correnti. Ambos os estudos referem-se à relação entre a antropometria e o sucesso alcançado pelos atletas em modalidades esportivas específicas. Tanner concluiu que os somatotipos não somente definem os atletas e seus limites esportivos, como também as atividades esportivas mais adequadas para cada atleta. Destas obras surgiram novas pesquisas que levaram à compreensão da influência da hereditariedade e dos fatores ambientais envolvidos na constituição atlética a fim de se estabelecer os somatotipos mais favoravelmente aplicáveis a cada esporte (Mexico City Olympic Games Official Report, 1968). A partir deste ponto de referência de memória, apresenta-se a cronologia abaixo, expondo em destaque pesquisas internacionais de importância para a definição da área bem como as principais investigações nacionais também no mesmo tema.

1967-1969 No México o “Programa de Genética e Biologia Humana” promove o Primeiro Seminário Internacional para o Estudo dos Atletas Olímpicos a fim de se estabelecer as metas para o projeto “Estudos genéticos e antropométricos de atletas olímpicos”. De acordo com as decisões deste Seminário foi conduzido um estudo piloto durante a Terceira Competição Internacional de Esportes em Outubro de 1967, envolvendo 196 atletas de classe internacional (163 homens e 33 mulheres). Além de realizar avaliações antropométricas, os pesquisadores procuraram por alterações cromossômicas sexuais. Previu-se que esta análise não somente ofereceria informações sobre a influência genética na constituição física, mas ajudaria a avaliar os fatores hereditários das habilidades atléticas. As análises do histórico familiar, estudos citológicos, estudos de caracteres monogênicos, antropometria, e impressões digitais e palmares foram realizadas em colaboração com os pesquisadores L. Levine, Barbara H. Heath, L. Carter e D. Paschal. O Segundo Seminário Internacional ocorreu na Vila Olímpica dos Jogos de 1968, na Cidade do México, e no Laboratório de Genética da Comissão de Energia Nuclear Mexicana, para examinar as técnicas e métodos aplicados durante a Terceira Competição Internacional de Esportes. O Dr. Alfonso León de Garay presidiu a assembléia com o Dr. Louis Levine da Universidade Rockefeller de Nova Iorque atuando como moderador. Os trabalhos de Genética foram coordenados pelo Dr. S. Geerts da Holanda, e os de Antropometria pelo Dr. D. Bainbridge da Inglaterra. Em especial houve a presença de um geneticista brasileiro neste Seminário, o Dr. Oswaldo Frota-Passoa, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Este especialista juntamente com Charles E. Ford do Estabelecimento Atômico do Reino Unido contribuiu com sugestões para a pesquisa cromossômica e alertou sobre o risco dos estudos citogenéticos, incluindo cromatina sexual, quando avaliados independentemente de suas aplicações em genética médica, tais como doping ou intersexualidade, como base para desqualificação (Mexico City Olympic Games Official Report, 1968). Este projeto, pioneiro rumo à definição dos fatores hereditários e ambientais responsáveis pelo sucesso dos atletas, avaliou 1265 atletas de 92 países durante as Olimpíadas do México. O Brasil contribuiu com 85 atletas, 81 homens e quatro mulheres. Dos atletas brasileiros foram selecionados 37, dos quais 26 (24 homens e duas mulheres) tiveram seus dados efetivamente analisados pelos pesquisadores. Em 1969, durante a análise dos resultados, o programa recebeu mais verbas com as quais se realizou o Terceiro Seminário Internacional e a finalização do projeto (DeGaray et al., 1974).

1968 Ernst e Peter Jokl da Universidade de Kentucky escreveram o livro The physiological basis of athletic records pela Comissão de Pesquisa do Conselho Internacional de Esporte e Educação Física da UNESCO no qual incluíram um capítulo sobre os “Determinantes genéticos da condição atlética” chamando a atenção para a hereditariedade observada em famílias de atletas campeões. Apontaram estudos com gêmeos realizados por L. Gedda, A.N. Mirenva, O. von Verschuer e H.H. Newman, e P.B. Medawar, considerando os efeitos do treinamento sobre os caracteres herdados. Revelaram ainda o fenômeno da constituição de famílias entre atletas, e sugeriram que muitos talentos geneticamente pré-determinados não eram aproveitados pelas nações (Jokl&Jokl, 1968). No Brasil foi lançado o livro “Introdução à Moderna Ciência do Treinamento Desportivo” de Lamartine Da Costa e colaboradores, no qual a observação da individualidade biológica é destacada como fundamental para o treinamento esportivo, bem como revela explicitamente que o grau de variabilidade biológica na reação ao treinamento esportivo é limitado por fatores genéticos. Importa ainda constar que textualmente encontra-se na referida obra: “Há indivíduos que assimilam mais rapidamente o condicionamento de determinadas qualidades enquanto a outros o esforço apresenta-se quase que inócuo” (pág.25).

1972 Uma revisão sobre a genética do rendimento desportivo foi feita por H. von Bracken no capítulo Psicologia Genética Humana (Becker, 1973) apontando os trabalhos de 1) Galton – Hereditary Genius (1869) que apresenta um capítulo sobre a freqüência de rendimento de remadores em determinadas famílias e outro sobre os boxeadores do norte da Inglaterra, 2) Grebe (1963) que comunicou exemplos de semelhanças entre pais e filhos e entre gêmeos esportistas revelando semelhança maior entre gêmeos univitelíneos do que entre bivitelíneos, 3) Gedda (1960) que estudou 351 pares de gêmeos encontrando concordância de 90% entre os univitelíneos e cerca de 60% entre os bivitelíneos relacionada à atividade esportiva, 4) Wright (1961) que realizou um estudo controverso porque analisou apenas um par de gêmeos de vitelinidade incerta, porém realizou vários testes (coordenação, força muscular, agilidade, resistência e tempo de reação) e observou que o garoto que vivia no campo tinha rendimento melhor nas suas habilidade atléticas, sobretudo quanto à resistência e força muscular, do que o que vivia na cidade, 5) Mizuno (apud Tókio, 1956) que demonstrou, também em gêmeos univitelíneos, que a força muscular estava mais condicionada pelo treinamento do que pelos genes, 6) Gesell e Thompson (1929), que também utilizaram gêmeos como controle metodológico, verificaram que ao final do primeiro ano de vida ocorrem progressos com ou sem treinamento devido à maturação biológica. O próprio von Bracken relatou que pareciam existir componentes da amplitude desportiva mais intensamente condicionados pela herança enquanto outros pareciam mais relacionados ao treinamento.

1976 Neste ano foi dada a público a pesquisa “Treinamento Desportivo e Ritmos Biológicos” dirigida por Lamartine DaCosta (1977), tendo como sujeitos atletas brasileiros, os quais foram deslocados para a Suécia partindo do Rio de Janeiro – RJ (quatro fusos horários de diferença). Neste experimento, foram mensuradas variações fisiológicas e avaliadas reações psicológicas de modo a se apreciar o comportamento da adaptação à mudança de fusos horários e aos respectivos impactos no treinamento esportivo e performances atléticas. Houve vinte variáveis controladas no Rio de Janeiro (1ª. fase da pesquisa) e Atvidaberg (2ª. fase), sendo doze laboratoriais incluindo o 17-Cetosteróide, segundo o protocolo Callow – Zimmermann. Nas conclusões (pp. 112 – 121), o citado pesquisador brasileiro demonstrou que havia uma “predominância celular” na resincronização das funções fisiológicas tanto quanto nas adaptações ao exercício físico. Este estudo obteve o Prêmio Ministério da Educação e Cultura de Literatura Desportiva de 1976.

1977 O professor Aguinaldo Gonçalves concluiu seu projeto de mestrado intitulado “Estudo genético-clínico de família afetada pela síndrome de Mounier Kohn” no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo - USP, sob a orientação da geneticista Anita Wajntal, onde entra em contato com a importância da análise das impressões dermatoglíficas para a Genética Médica.

1980 Rudolf Kovár, da Universidade Charles de Praga, escreveu o livro Human variation in motor abilities and its genetic analysis abrangendo tópicos sobre variabilidade e diferenças individuais, princípios da genética – análise estatística de traços quantitativos, métodos básicos aplicados ao estudo das influências hereditárias e talento esportivo. Ele enfatiza que o método dos gêmeos é o mais eficaz para avaliar os aspectos genéticos das habilidades motoras (Kovár, 1980). O estudo de gêmeos, nesta época uma metodologia amplamente realizada pela Genética Humana e Médica, foi indicado para a realização dos estudos do comportamento humano geral, até mesmo para as pesquisas das características físicas como estatura, peso e índices antropométricos por revelar a distinção entre as características genéticas herdadas e ambientais (Saldanha, 1980).

1981 O Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul – CELAFISCS trabalharam com gêmeos verificando a aptidão física geral de gêmeas basquetebolistas (Matusudo & Duarte, 1981).

1986 Robert M. Malina e Claude Bouchard editaram Sports and human genetics, o quarto volume de trabalhos apresentados no Congresso Olímpico de 1984. A obra inclui os seguintes artigos: Gêmeos – influência genética no crescimento (Ronald S. Wilson), Genética do desenvolvimento motor e performance (Robert Malina), Genética da capacidade aeróbica (Claude Bouchard), Genética da saúde relacionada ao bem estar físico (William J. Schull), Determinantes genéticos da perfornace esportiva (D.F. Roberts), Hereditariedade e traços psicomotores no homem (Napoleon Wolanski), Genética e tamanho cardíaco (Ted D. Adams et al.), Tipo de composição da fibra muscular e enzimas ativadas em gêmeos monozigóticos (Gilles Lortie et al.), Variação genética na força-velocidade do músculo humano (Brian Jones e Vassilis Klissouras), Capacidade anaeróbica alática em irmãos adotados e biológicos (Jean-Aimé Simoneau et al.), Sensibilidade aeróbica máxima e capacidade para treinamento anaeróbico é parcialmente dependente da genética (Marcel R. Boulay et al.).

1994 O brasileiro José Fernandes Filho iniciou seu projeto de doutorado intitulado “Impressões Dermatoglíficas - Marcas Genéticas na Seleção dos tipos de Esportes e Lutas (a exemplo de desportistas do Brasil)” no Instituto Central Estatal Orden Lenin de Cultura Física, na Rússia.

1995 Foi iniciado o estudo familial HERITAGE (HEalth, RIsk factors, exercise Training And GEnetics) sob a coordenação do geneticista Claude Bouchad que documenta o papel do genótipo nas respostas cardiovasculares, metabólicas e hormonais ao treinamento aeróbico. Um consórcio de cinco universidades nos Estados Unidos e no Canadá que avaliou um total de 90 famílias caucasóides e 40 afro-americanas com ambos os pais e três ou mais filhos biológicos adultos. Todos os participantes foram testados, treinados no laboratório com o mesmo programa de 20 semanas, e re-testados com relação às seguintes variáveis: consumo de oxigênio, taxa de troca gasosa, pressão sanguínea, freqüência cardíaca, débito cardíaco, lactato sanguíneo, glicose, e ácidos graxos livres medidos durante o exercício, e o consumo máximo de oxigênio determinado antes e após o treino. Lipídios plasmáticos, lipoproteínas e apoproteínas, respostas tanto da glicose quanto da insulina à glicose, hormônios esteróides e glicocorticóides plasmáticos. Gordura corporal e distribuição desta gordura, também foram avaliados (Bouchard et al., 1995). O brasileiro João Paulo Borin realizou um curso de aperfeiçoamento na Rússia, momento em que também entrou em contato com a dermatoglifia.

1997 Ano em que o professor José Fernandes Filho concluiu seu doutorado e retornou ao Brasil. Começou a ministrar aulas, foi professor convidado e ocupou cargos de direção em diversas instituições brasileiras e estrangeiras. Lançamento do livro Genetics of fitness and physical performance de Claude Bouchard, Robert M. Malina e Louis Pérusse que apresenta de forma clássica e abrangente as bases genéticas para atividades físicas e esportivas.

1998 O Dr. José Fernandes Filho fundou, com o Dr. Estélio Henrique Martin Dantas, o Laboratório de Biociências da Motricidade Humana - LABIMH onde inicia o projeto “Dermatoglifia e somatotipia da performance motora”.

2000 O Comitê de Saúde, Medicina e Pesquisa da Agência Mundial Anti-Doping - WADA, da qual fazem parte neste período os brasileiros Dr. Eduardo Henrique DeRose e Dr. Lamartine DaCosta, determinou que fosse dada prioridade ao estudo de métodos de detecção de fatores de crescimento, incluindo hormônio de crescimento, agentes carregadores de Oxigênio (EPO) e manipulação genética.

2001 Pesquisadores do grupo HERITAGE iniciaram publicações anuais que constituem um mapa com os genes candidatos para os fenótipos de desempenho físico e saúde (Rankinen et al., 2001). O Comitê Olímpico Internacional - COI promoveu o Simpósio “Terapia gênica e seu futuro impacto no esporte”. Este Simpósio reuniu especialistas em genética para definir terapia gênica e avaliar o seu potencial impacto no esporte sob o ponto de vista ético e científico. O simpósio foi realizado pelo príncipe Alexandre de Merode, presidente da Comissão Médica do COI. No Brasil, neste mesmo ano Paulo Moreira Silva Dantas concluiu seu projeto de mestrado intitulado “Identificação dos perfis genético, de aptidão física, e somatotípico que caracterizam atletas masculinos de alto rendimento, participantes do futsal adulto no Brasil” sob a orientação do Dr. José Fernandes Filho da Universidade Castelo Branco – UCB, RJ.

2002 O Professor João Paulo Borin concluiu seu projeto de doutorado “Detecção de talento esportivo: estudo a partir de diferentes níveis de atletas de basquetebol e não atletas” pela Universidade Estadual de Campinas, orientado pelo Dr. Carlos Roberto Padovani e co-orientado pelo Dr. Aguinaldo Gonçalves. A WADA realizou o primeiro simpósio sobre Doping Genético nos Laboratórios Cold Spring Harbour em Nova Iorque e o presidente do COI enfatizou o problema do doping genético, particularmente revelando a importância de trabalhar com a indústria farmacêutica para combater a questão.

2003 O professor José Fernandes Filho ministrou “Tópicos especiais em dermatoglifia e somatotipia aplicada em variáveis biofísicas” na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e expandiu suas pesquisas com dermatoglifia para a região nordeste do país. A nova lista de substâncias proibidas da WADA incluiu proibição ao doping genético como método - o termo refere-se à utilização não terapêutica de genes, elementos genéticos e/ou células que têm a capacidade de melhorar a performance atlética. A convite do professor Laércio Elias Pereira foi criada a 93ª. Lista de discussão do Centro Esportivo Virtual, Cevgenética, administrada pela geneticista Andréa Ramirez, como expansão das atividades do Grupo de Estudos de Genética da Faculdade de Educação Física da FMU-SP.

2004 Pré-lançamento do livro Genetically modified athletes – biomedical ethics, gene doping and sport do filósofo Andy Miah no Congresso Pré-Olímpico em Thessaloniki na Grécia. Antes, neste mesmo ano, este pesquisador inglês fez uma apresentação sobre a obra no Fórum Olímpico, realizado em São Paulo – SP, promovido pela Escola de Educação Física da USP. Paulo Moreira Silva Dantas concluiu seu doutorado “Relação entre estado e predisposição genética no futsal brasileiro”, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, sob a orientação do Prof. Dr. José Fernandes Filho.

2005 O Prof. Dr. José Fernandes Filho iniciou o projeto “Perfil das variáveis dermatoglíficas, somatotípicas e das qualidades físicas básicas em crianças praticantes da modalidade voleibol da favela da Maré” na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, e escreveu, com Paulo Moreira Silva Dantas e Paula Roquetti Fernandes, “Genética e treinamento esportivo: O uso da prática da dermatoglifia”, na primeira edição do Atlas do Esporte no Brasil (2005). Até o momento, o Dr. José Fernandes Filho orientou cerca de 30 dissertações de mestrado sobre Dermatoglifia na UCB-RJ, e cinco teses de doutorado na UFRN-RN. Em dezembro deste ano a WADA realizou o segundo simpósio sobre Doping Genético em Estocolmo e aperfeiçoou o conceito de doping genético como “a utilização não terapêutica de células, genes, elementos genéticos ou de modulação da expressão gênica, com capacidade de melhorar a performance atlética”.

2006 Foi realizado o seminário “Pesquisa genética em Educação Física/Ciências do Esporte” durante o XI Congresso de Ciências do Desporto e Educação Física dos Países de Língua Portuguesa em São Paulo.

Situação atual Há evidências de uma descontinuidade nas pesquisas de genética clássica, com exceção ao estudo da dermatoglifia no Brasil, bem como parca literatura nacional e internacional relacionando genética e esporte de um modo geral. A razão mais óbvia pode ser atribuída à falta de interesse dos geneticistas, associada à dificuldade de trabalhar com características poligênicas e multifatoriais até o final do século XX. A Genética Humana e Médica avançou, da década de 1970 até aproximadamente o ano 2000, identificando genes responsáveis por doenças genéticas monogênicas. Este avanço teria sido praticamente inviável para a detecção de genes relacionados às características atléticas. No entanto, atualmente as novas tecnologias biomoleculares permitem a identificação e manipulação de genes que possam ser utilizados terapeuticamente na reconstituição de tecidos de regeneração lenta, como tendões e cartilagens (Huard et al., 2003). Paradoxalmente, a terapia gênica chega ao esporte na forma de “doping genético”, principalmente devido aos efeitos dos genes codificadores da eritropoietina (EPO), miostatina (GDF-8) e fatores de crescimento, principalmente o semelhante à insulina (IGF-1). Discute-se o papel destes genes na melhora da performance esportiva (Ramirez & Ribeiro, 2005) e suas perspectivas para o treinamento desportivo, especialmente sob o ponto de vista ético (Miah, 2004). Finalmente, seria significativo que, a exemplo da identificação de pessoas através das seqüências do DNA e perspectivas para as terapias gênicas, as novas tecnologias biomoleculares fossem utilizadas no esporte para: orientação equânime de talentos esportivos, acompanhamento longitudinal de atletas para realização de testes antidoping genético preventivo, bem como na identificação tanto de atletas como de pessoas fisicamente ativas que estivessem sob o risco de desenvolver doenças genéticas tardiamente, e na compreensão de processos genéticos envolvidos com a promoção e manutenção da saúde humana de um modo geral.

Fontes Catipovic, B. Myostatin mutation associated with gross muscle hypertrophy in a child. (Letter) New Eng. J. Med. 351: 1030 only, 2004; 1968 Mexico City Olympic Games Official Report Volume 4: The Cultural Olympiad Mexico City Olympic Games Official Report Volume Four, 1968; DeGaray, A.L., Levine, L., and Carter, J.E.L. (1974). Genetic and Anthropological Studies of Olympic Athletes. Academic Press, New York; Jokl E & Jokl P. Genetic determinants of athletic status. In: The physiological basis of athletic records. American Lecture Series 712. Research Committee International Council of Sport and Physical Education – UNESCO. Charles C Thomas- Springfield, 96-117, 1968.; Da Costa LP Introdução à Moderna Ciência do Treinamento Desportivo Brasília: Divisão de Educação Física do MEC; Becker, P.E. (ed.) Genética Humana. Tomo ½ Barcelona, Ediciones Toray S.A. 1973. p.493-495.; DaCosta LP Treinamento Desportivo e Ritmos Biológicos. José Olímpio Editora, Rio de Janeiro, 1977; Kovar R. Human variation in motor abilities and its genetics analysis. Charles University Prague, 1980. 171p.; Saldanha PH. Gêmeos – Hereditariedade versus ambiência. São Paulo, Hucitec Edusp, 1980. 92p; Matsudo V.K.R., Duarte CR Aptidão física geral de gêmeas basquetebolistas. Revista Brasileira de Ciências do esporte 2(2), 1981; Malina RM & Bouchard C. Sport and Human Genetics. The 1984 Olympic Scientific Congress Proceedings. v.4. Human Kinetics, Illinois, 1986, 184p.; Bouchard C, Leon AS, Rao DC, Skinner JS, Wilmore JH, Gagnon J. The HERITAGE family study. Aims, design, and measurement protocol. Med Sci Sports Exerc. 1995 May; 27(5):721-9; Bouchard C, Malina R.M., Pérusse L. Genetics of fitness and physical performance. USA. Human Kinetics. 1997. 400p; Rankinen T, Pérusse L, Rauramaa R, Rivera MA, Wolfarth B, Bouchard C. The human gene map for performance and health-related fitness phenotypes. Med Sci Sports Exerc, 33(6): 855-67, 2001; Cevgenética http://www.cev.org.br/br/listas/listas.asp?cd_lista=93; Miah A. Genetically modified athletes – biomedical ethics, gene doping and sport. Great Britain, Routledge, 2004. 208p; DaCosta LP (Org.) Atlas do Esporte no Brasil. Shape Editora, Rio de Janeiro, 2005.; Huard J, Li Y, Peng H, Fu FH. Gene therapy and tissue engineering for sports medicine. J Gene Med, 5(2): 93-108, 2003; Ramirez, A., Ribeiro, A. Doping genético e esporte. Revista Metropolitana de Ciências do Movimento Humano, 5(2): 9-20, 2005.

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Resumo do Programa de Genética e Biologia Humana realizado nas Olimpíadas de 1968

Objetivos:
Avaliação dos efeitos produzidos pela interação dos fatores ambientais e composição genética sobre as habilidades e eficiência dos atletas olímpicos. A aplicação desta pesquisa para a biologia humana, incluindo recomendações técnicas para assegurar educação física apropriada, bem como higiene e medidas de conservação da saúde, e a possibilidade da detecção precoce – durante a infância ou adolescência – das modalidades esportivas mais adequadas para cada indivíduo.

Principais linhas de pesquisa:
a) Estudos familiais – com o objetivo de revelar relações entre o papel dos pais e da irmandade no desenvolvimento da carreira atlética. A maioria dos atletas eram os segundos filhos da família.
b) Análise antropológica – realizaram uma série de medidas corporais levando à maior descrição das relações entre os tipos físicos e as especialidades esportivas. Os dados revelaram que os atletas não possuíam os tipos corporais representados pelos extremos da normalidade como se imaginava, mas que estavam próximos dos extremos.
c) Caracterização genética – Descobriram que para certos traços genéticos os atletas olímpicos pareciam diferir significativamente das populações raciais às quais pertenciam. Uma descoberta interessante foi a observação de hemácias contendo traços da siclemia (anemia falciforme) nos atletas olímpicos.

Métodos e Resultados da caracterização genética:
a) Reação gustativa à feniltiouréia (sensibilidade ao PTC) - Os resultados revelaram que a insensibilidade ao PTC (traço recessivo) entre os atletas foi menor que na população geral, inclusive quando analisados por grupos raciais.
b) Sistemas sanguíneos – Analisaram os sistemas ABO, MN e Rh, e enzimas eritrocitárias e plasmáticas como a glicose-6-fosfato-desidrogenase, fosfatase ácida, haptoglobina, transferrina, fator Gc e hemoglobina. Os dados não revelaram qualquer associação entre estes sistemas com as habilidades atléticas ou com as modalidades esportivas.
c) Dermatoglifia – Os pesquisadores analisaram as impressões digitais e palmares dos atletas olímpicos. Os parâmetros considerados para a análise das impressões digitais foram: os tipos (arcos, presilhas e verticilos), a quantidade de linhas (contagem total de linhas), índice de intensidade (total de trirrádios por dedo ou trirrádios por indivíduo). Para a análise das impressões palmares consideraram o índice da linha principal, a ausência da linha C e o ângulo atd. Entretanto, como os atletas pertenciam a vários grupos raciais, as diferenças entre os traços não puderam ser atribuídas ao desempenho esportivo.
d) Citogenética – Os pesquisadores realizaram análise da cromatina sexual, e análise cromossômica e, com exceção do aumento do comprimento do cromossomo Y em atletas mongolóides, os resultados não revelaram diferenças que justificassem melhora do desempenho esportivo.

15 de nov. de 2005

Doping Genético e terapia gênica: Aspectos biomoleculares

Ramirez, A. Doping Genético e terapia gênica: Aspectos biomoleculares. Atualidades em Fisiologia e Bioquímica do Exercício 1(1): 32-37, 2005.

Doping genético é a utilização não terapêutica de genes, elementos genéticos e/ou células que têm a capacidade de melhorar a performance atlética (WADA, 2005). A terapia gênica consiste em introdução: a) de genes responsáveis por produtos terapêuticos, isto é genes normais, ou b) de células geneticamente modificadas com a finalidade de bloquear a atividade de genes prejudiciais, ativar mecanismos de defesa imunológica, ou ainda produzir moléculas de interesse terapêutico (Nadir & Ventura, 2005). Isto pode significar que a terapia gênica e o doping genético, caso exista ou vier a existir, ocorreriam por procedimentos idênticos, porém com finalidades diferentes.

Atualmente as estratégias utilizadas para experimentação em terapia gênica são: a) inserção de um gene em local não específico do genoma para substituição de um gene não funcional, b) um gene anormal pode ser substituído por um gene normal pela recombinação homóloga, c) o gene anormal pode ser corrigido por mutação reversa seletiva retornando o gene à sua função normal, d) a regulação da expressão gênica de um determinado gene pode ser alterada. Os veículos de transferência gênica, os vetores, podem ser: a) químicos e físicos - microinjeção de DNA nu, biobalística, eletroporação, transfecção com fosfato de cálcio, lipossomos e outros polímeros catiônicos, b) biológicos - vetores virais: retrovirais, adenovírus, vírus adeno-associados e herpes vírus. Entretanto, diferentemente do objetivo da terapia gênica que é a cura, o doping genético não requer exatamente a modificação em um gene ou célula especificamente, há muitas variáveis genéticas que, se modificadas, podem levar ao aumento do rendimento esportivo.

Rankinen et al. (2004) elaborou, a partir de dados da literatura específica, o mapa com os genes candidatos para os fenótipos de performance física e saúde. Como tem sido um trabalho constante do pesquisador desde 2000, na atualização de 2003 do mapa foram registrados 109 genes nucleares, dois ligados ao cromossomo X e 15 mitocondriais. Na atualização de 2005 os autores incorporaram os genes que foram associados tanto com a condição física como com indicadores de sedentarismo. Assim, a nova versão inclui 140 genes autossômicos e QTLs além de quatro genes ligados ao cromossomo X, e 16 mitocondriais (Wolfarth, 2005). No entanto, dos genes candidatos ao doping genético, os mais estudados e citados em artigos científicos são apenas três: EPO (eritropoietina), IGF-1 (fator de crescimento 1 semelhante à insulina) e GDF-8 (miostatina). No Congresso Pré-Olímpico de 2004 o VEGF foi citado como provável alvo por aumentar o número de vasos sanguíneos permitindo uma maior vascularização dos diferentes órgãos solicitados pela prática desportiva. O gene codificador da endorfina também foi apresentado por possibilitar aumento no limiar da dor, permitindo treinos e competições mais intensos (van Hilvoorde, 2004).

Eritropoietina (EPO): A Eritropoietina é uma citocina de 34kDa de massa molecular, historicamente considerada hormônio (glicoprotéico), sintetizada pelo gene EPO localizado em 7q21. É o principal regulador da produção de células vermelhas, com função de promover a diferenciação eritrocitária e o início da síntese de hemoglobina. É sintetizada principalmente pelas células renais, embora no sistema nervoso central os neurônios tenham receptores de EPO. Os astrócitos também produzem EPO (OMIM, 2005). O aumento na quantidade de EPO aumenta o número de glóbulos vermelhos no sangue e a produção de hemoglobina. Assim a administração de vários tipos de EPO recombinantes e similares (rHuEPO-α, rHuEPO-β, rHuEPO-ω, darbepoietina-α, rHuEPO-δ/GA-EPO, rHuEPO encapsulada, EPO miméticos) é útil no tratamento de anemias severas (congênitas, adquiridas, e causadas por insuficiência renal crônica). Por raciocínio semelhante, a administração de EPO é uma das formas de aumentar o transporte de oxigênio, e consequentemente o desempenho esportivo em modalidades de longa duração. Experimentos conflitantes são os que revelaram a eficácia da terapia gênica com EPO em macacos (Zhou et al., 1998), pois da mesma maneira que a transferência gênica se revelou eficiente, foi responsável pelo aumento excessivo de EPO (75%), levando a uma concentração de hemácias incompatível com a vida. Pesquisa deste ano revela que o controle farmacológico da expressão gênica será necessário para a segurança e eficácia da terapia gênica (Rivera et al., 2005).

Fator de crescimento 1 semelhante à insulina (IGF-1): O fator de crescimento 1 semelhante à insulina (também conhecido como fator de crescimento muscular ou somatomedina C), codificado por um gene localizado em 12q22-q24.1, é uma cadeia polipeptídica simples contendo 70 aminoácidos. O IGF-1, além de ter estrutura tridimensional semelhante à da insulina, permite a ação do hormônio de crescimento por ser mediador de muitos, se não de todos, os efeitos deste hormônio (OMIM, 2005). Apesar do IGF-1 sérico ser sintetizado em maior quantidade pelo fígado, outros tecidos também o sintetizam e são sensíveis ao seu efeito. Os genes finais na cascata de síntese do GH incluem o IGF-1 e seu receptor IGF-1R, cujos produtos estimulam o crescimento em vários tecidos incluindo ossos e músculos (Phillips, 1995; Rimoin & Phillips, 1997 apud OMIM, 2005). Na circulação os IGFs são predominantemente unidos às proteínas de ligação (IGFBPs), que prolongam a meia vida dos IGFs e têm função de enviá-los aos tecidos alvo (Yakar et al., 1999). O processo de envelhecimento humano leva a um declínio da massa e do desempenho muscular esquelético, comprometendo a integridade muscular com invasão fibrótica em substituição ao tecido contrátil. Musaro et al. (2001) bem como Barton-Davis et al. (1998) e Barton et al. (2002), trabalhando com modelos animais, sugeriram que a transferência gênica de IGF-1 para o músculo poderia servir de base para a terapia gênica como prevenção da perda de função muscular associada ao envelhecimento. O aumento do IGF-1 também pode promover a hipertrofia através de um aumento na síntese protéica e proliferação de células satélites. Lee et al. (2004) verificaram um aumento da hipertrofia através do efeito acumulativo da combinação de exercício de resistência e administração de IGF-1 que resultou em aproximadamente 30% de aumento de massa muscular e força em camundongos. A combinação do exercício de resistência e a expressão de IGF-1 induziu maior hipertrofia que os dois isoladamente. Além disto, a perda de massa muscular pelo destreino foi maior quando não houve a administração de IGF-1.

Miostatina (GDF-8): A superfamília do fator de crescimento transformante beta compreende um grande número de fatores de crescimento e diferenciação fundamentais na regulação do desenvolvimento embrionário e manutenção da homeostase tecidual em animais adultos e em desenvolvimento. O GDF-8 é um gene desta superfamília localizado na região 2q32.2 responsável pela codificação da miostatina, uma proteína que controla a manutenção da massa muscular esquelética (OMIM, 2005). McPherron et al. (1997) identificaram, em camundongos, que o GDF-8 codifica 376 aminoácidos que compõem a miostatina. Durante os primeiros estágios da embriogênese a expressão de GDF-8 é restrita ao compartimento miotômico dos somitos, nos estágios posteriores e nos animais adultos o GDF-8 é expresso na musculatura esquelética. No músculo esquelético a miostatina é transcrita como um RNA mensageiro de 3.1kb que codifica uma proteína precursora contendo 335 aminoácidos. Esta proteína é expressa, sofre clivagem, é secretada no plasma, e pode ser detectada nas fibras musculares esqueléticas I e II (Gonzalez-Cadavid et al., 1998). Em camundongos adultos, a miostatina circula como uma forma latente no sangue que pode ser ativada em meio ácido, similar ao TGF-β. A expressão excessiva de miostatina sistêmica em ratos adultos induziu a perda de massa muscular profunda e de gordura sem, no entanto, diminuir a absorção de nutrientes (Zimmers et al., 2002). Para determinar a função biológica da miostatina, McPherron et al (1997) inviabilizaram a expressão do gene GDF-8 em camundongos. Como resultado, os animais sem GDF-8 ficaram significantemente maiores que os não modificados, e a análise de cada músculo revelou aumento de duas a três vezes na massa muscular quando comparados aos animais não transformados. Estes aumentos foram atribuídos a uma combinação de hiperplasia e hipertrofia. Em outros experimentos realizados com inibição da expressão de miostatina em camundongos, Lin et al. (2002) e McPherron&Lee (2002) também observaram aumento na massa muscular além de redução na produção e secreção de leptina, fato este que foi associado à redução da deposição de gordura, sugerindo que a miostatina estivesse envolvida tanto na regulação do tecido adiposo, quanto na do tecido muscular estriado esquelético. Além disto, os autores perceberam que a perda da miostatina atenua parcialmente a obesidade e o diabetes tipo II, sugerindo que os agentes farmacológicos que bloqueiam a função da miostatina possam ser úteis não somente para promover o crescimento muscular, mas também para desacelerar ou prevenir o desenvolvimento da obesidade e diabetes tipo II. Bogdanovich et al. (2002) testaram a habilidade de inibição da miostatina in vivo para melhorar os fenótipos distróficos em camundongos mdx. Eles bloquearam a miostatina nestes camundongos injetando anticorpos bloqueadores intraperitonealmente durante três meses. Os resultados revelaram aumento de peso, massa, tamanho e força muscular absoluta, com uma diminuição significante na degeneração muscular, e concentração sérica de creatino-quinase. Os autores concluíram que o bloqueio da miostatina oferece uma estratégia nova para o tratamento de doenças associadas à perda muscular como a Distrofia Muscular Duchenne. Em experimento semelhante, Wagner et al. (2002) verificaram redução na extensão da fibrose muscular e melhora em algumas características do fenótipo distrófico. No ano passado, foi identificada uma variação alélica em uma mãe e uma criança com hipertrofia e força muscular incomuns, uma mutação que levou à síntese de uma proteína severamente truncada (Schuelke et al., 2004). Segundo os mesmo autores, apesar da miostatina também ser sintetizada no músculo cardíaco, nenhuma anormalidade da função cardíaca foi detectada em ambos.

Especificamente para o esporte a terapia gênica tem o potencial de recuperar tecidos de baixa capacidade regenerativa tais como tendões, cartilagens e músculos estriados esqueléticos facilitando a recuperação de rompimentos de ligamentos cruzados (anterior e posterior), meniscos, lesões em cartilagens, e calcificação óssea tardia através da inserção de fatores de crescimento (IGF-1, bFGF, NGF, PDGF , EGF , TGF-alpha, TGF-beta, BMP-2) para estimular a cicatrização (Martinek et al., 2000, Huard et al., 2003).

Assim percebe-se que, apesar de pouco sucesso documentado, e algumas intercorrências, a terapia gênica tem se revelado como uma crescente influência no paradigma clínico para o tratamento de doenças herdadas e não herdadas que podem, inclusive, colaborar para a medicina esportiva. Isto não significa afirmar que o doping genético já existe ou existirá, se é benéfico ou não à saúde do atleta, mas remete à necessidade de mais estudos científicos, bem como discussão bioética ampla, principalmente no meio acadêmico e esportivo.

Barton E.R., Morris L., Musaro A., Rosenthal N., Sweeney H.L. Muscle-specific expression of insulin-like growth factor I counters muscle decline in mdx mice. J. Cell Biol. 157: 137-147, 2002.
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15 de jul. de 2005

Doping Genético e Esporte

Ramirez A[1] & Ribeiro A[2] Doping genético e esporte. Revista Metropolitana de Ciências do Movimento Humano, São Paulo, v. 5, n. 2, p.9-20, jun. 2005.

RESUMO



Em uma época em que as Ciências do Esporte aportam cada vez mais decisivamente elementos para a melhora do desempenho esportivo dos praticantes de esportes de alto rendimento, em particular, e de atividades físicas, em geral, ganham em importância discussões acerca da utilização de novos métodos e substâncias em suas mais amplas implicações. Quer do ponto de vista sanitário ou ético, o doping genético tem suscitado debates tão intensos quanto questionáveis do ponto de vista científico. Pelo método dialético vêm as linhas a seguir com o objetivo de propor novo enfoque sobre o que é atualmente considerado doping genético pela Agência Mundial Antidoping, assim como para enfatizar a necessidade de buscar uma solução mais adequada à inevitável evolução e impacto que terão as tecnologias biomoleculares na humanidade e, logo, no esporte de alto rendimento. Com a apropriação de conceitos de áreas do conhecimento humano como a Biologia, o Direito e a Filosofia, este ensaio se propõe a auxiliar na compreensão de elementos centrais do doping genético e a provocar o surgimento de novas interrogações. Considera-se ao final que o tratamento dado pela Agência Mundial Antidoping à utilização de tecnologias biomoleculares corresponde apenas em parte às transformações por que passa o mundo e às expectativas do Movimento Olímpico quanto à sua razão de existir.

Doping Genético, Esportes, Tecnologias Biomoleculares, Agência Mundial Antidoping, Direito

ABSTRACT

At a time where Sports Sciences bring more and more decisively elements for the improvement of athletes’ performance both in competitions and physical activities, issues concerning the use of new methods and substances in its broader implications gain in importance. Weather from the point of view of health or ethics, gene doping has provoked debates as excited as questionable in a scientific perspective. This essay try to consider a new approach on what is called gene doping by the World Anti-Doping Agency as well as emphasize the necessity to search a more adequate solution to the inevitable evolution and impact that biomolecular technologies may have on the humanity as a whole. With concepts from areas of knowledge such as Biology, Law and Philosophy, the following lines try to expose central elements of gene doping in order to make other interrogations resurge. At last, it is considered that the treatment given by the World Anti-doping Agency to the use of biomolecular technologies correspond only partly to the transformations that world passes by and to the expectations of the Olympic Movement concerning the Agency’s goals.

Gene Doping, Sports, Biomolecular technologies, World Anti-Doping Agency, Law

1 - Introdução
Em uma época em que as Ciências do Esporte aportam, cada vez mais decisivamente, elementos para a melhora do desempenho dos praticantes de esportes de alto rendimento, em particular, e de atividades físicas em geral, ganham importância discussões acerca da utilização de novos métodos e substâncias que potencializem funções orgânicas no homem. Considerando a quantidade de artigos de divulgação científica ressaltando aspectos principalmente bioéticos acerca do tema e a parca literatura científica especializada, este ensaio tem o objetivo de esclarecer aspectos científicos e propor novo enfoque sobre o que é atualmente considerado doping genético pela Agência Mundial Antidoping (WADA – World Anti-Doping Agency). São apresentados conceitos de doping e tecnologias biomoleculares, bem como os principais genes candidatos ao doping genético. São discutidas, dialeticamente, as relações entre terapias gênicas e doping genético e a inclusão do doping genético na lista proibida da WADA sob a égide da Biologia, do Direito e da Filosofia. Considera-se, ao final, que o tratamento dado pela Agência Mundial Antidoping à utilização de tecnologias biomoleculares corresponde, apenas em parte, às transformações por que passa o mundo e às expectativas do Movimento Olímpico quanto à sua razão de existir.


2 - Doping
Mais importante do que se ater a eventuais divergências entre cada uma das definições de doping[i] é perceber que em todas estão presentes elementos comuns que se interrelacionam: a intenção deliberada de melhorar o desempenho esportivo em detrimento da ética esportiva. O prejuízo, ainda que meramente potencial, à saúde dos atletas, não é elemento constitutivo do “doping”, mas sua eventual decorrência. Com efeito, não se faz uso de doping com a intenção de causar um dano à saúde. Logo o aspecto de proteção à saúde dos atletas é um dos elementos centrais da investida “antidoping”[ii]. Assim, o doping pode ser compreendido como a (utilização de) substância ou método que possa melhorar o desempenho esportivo e atente contra a ética esportiva em determinado tempo e lugar, com ou sem prejuízo à saúde do esportista. A solução para o problema do doping no Movimento Olímpico, se existe uma, deve passar necessariamente pela releitura dos valores abrigados pela Carta Olímpica[3], como se verá adiante. Evitando eventuais lacunas na interpretação das diversas definições existentes, a Agência Mundial Antidoping definiu doping como sendo “a ocorrência de uma ou mais violações das regras antidoping, tais como enunciadas nos artigos 2.1 a 2.8 do Código” (WADA/AMA, 2003, artigo 1). Conquanto esta definição seja útil do ponto de vista do enquadramento de um caso concreto, por ser remissiva ela não contribui para a tarefa de justificar a utilização das tecnologias biomolecurares para fins não terapêuticos, como o doping. Com efeito, são oito as possibilidades de violação das regras no atual sistema antidoping da AMA, quais sejam (WADA/AMA, artigo 2.1 a 2.8): 1. “a presença de uma substância proibida, de seus metabólitos ou seus marcadores em uma amostra corpórea do desportista”; 2. “uso ou tentativa de uso de uma substância ou método proibidos”; 3. “não-comparecimento, sem justificação válida, a uma coleta de amostras”; 4. “não-fornecimento de informações exigidas sobre sua localização para efeitos de controles fora-de-competição ou o não comparecimento a um deles”; 5. "a adulteração ou a tentativa de adulteração de qualquer elemento em qualquer fase do Controle Antidoping”; 6. “o porte de substâncias ou métodos proibidos”; 7. “o tráfico de substâncias e métodos dopantes” e 8. “a administração ou tentativa de administração, o encorajamento, a incitação, a instigação a assistência ou de qualquer modo a ajuda ou a dissimulação da administração de substância ou método proibidos a qualquer desportista, ou a prática de qualquer outra forma de cumplicidade que implique em violação ou tentativa de violação de qualquer regra antidoping”.
Assim, das possibilidades acima enumeradas, o recurso às tecnologias biomeleculares subsumir-se-ia à hipótese do item 2 (uso ou tentativa de uso de uma substância ou método proibidos), uma vez que a “utilização para fins não terapêuticos de células, genes, elementos genéticos, ou de modulação da expressão genética, que tenham a capacidade de melhorar o desempenho esportivo é proibida”, conforme preconiza a WADA desde 2003.
É através de decisão do Conselho Executivo da Agência que uma substância ou um método são incluídos na Lista Proibida, mas não aleatoriamente, pois que o Código Mundial Antidoping estabelece critérios - objetivos e subjetivos – para tanto. Com efeito, uma substância ou um método é suscetível de inclusão na lista de substâncias e métodos proibidos se atuarem no organismo como um agente-máscara[4] ou se a substância ou método atender a DOIS dos TRÊS cenários seguintes (WADA/AMA, artigos 4.3.1 e seguintes): 1. melhora, ainda que potencialmente, o rendimento esportivo; 2. representa um risco, ainda que potencial, para a saúde; ou 3. seu uso é contrário ao espírito esportivo, tal como descrito na Introdução do Código Mundial Antidoping, por decisão da WADA.
Com base nestes critérios, a Agência Mundial Antidoping incluiu o recurso às tecnologias biomoleculares na “Lista Negra” porque “seria inadequado exigir que a substância ou método atendesse aos três critérios para ser proibida. Por exemplo, a utilização da tecnologia de transferência genética para aumentar sensivelmente o rendimento esportivo dever ser proibida por contrariar o espírito esportivo, ainda que não ofereça riscos à saúde” (WADA/AMA, comentários aos artigos 4.3.1 e seguintes).
Efetivamente, é altamente provável que manipulações genéticas favoreçam a melhora do desempenho esportivo. Entretanto, os outros dois critérios não estão claros. Discutiremos, posteriormente, se o recurso às tecnologias biomoleculares pode causar dano à saúde do atleta. Mas é precisamente quanto ao terceiro critério (uso contrário ao espírito esportivo) que se faz necessário tecer algumas considerações neste momento.
O espírito esportivo, para a Agência Mundial Antidoping, é precisamente “o valor intrínseco do esporte”, que se apresenta como “a essência propriamente dita do olimpismo” e que incentiva os esportistas “ao jogo franco”. É um conjunto de qualidades tais como “ética, fair play, honestidade, saúde, excelência no rendimento, bom caráter, educação, diversão e alegria, trabalho de equipe, dedicação e comprometimento, respeito às regras e leis, respeito a si e aos outros competidores, coragem, sentido de comunidade e solidariedade” (WADA/AMA - Introdução).
A questão que se coloca, então, consiste em perquirir se o recurso às tecnologias biomoleculares se choca com a idéia de “espírito esportivo”. E justamente porque ele é a essência do olimpismo, é necessário investigar se estas tecnologias são contrárias aos princípios do Olimpismo nele mesmo.
De seus Princípios Fundamentais, é preciso reter que o Olimpismo é uma filosofia de vida que busca equilíbrio entre corpo, mente e espírito, fazendo da arte, da cultura e da educação seus aliados principais. Com respeito aos princípios éticos fundamentais universais, o Olimpismo visa “colocar o esporte a serviço do desenvolvimento harmonioso do homem tendo em vista a promoção de uma sociedade pacífica e preocupada em preservar a dignidade humana” (COI, 2003 – Carta Olímpica).

3 - Genética
3.1 – Conceitos e terapia gênica
Definimos tecnologias biomoleculares como o conjunto das técnicas de manipulação do DNA (ácido desoxirribonucleico), RNA (ácido ribonucleico) e/ou proteínas, que incluem extração, quantificação, amplificação, marcação, localização de genes, isolamento, sequenciamento, transferência e clonagem para a realização de terapias gênicas ou genéticas, inclusive o doping genético.
Terapia gênica humana consiste em introdução de: a) genes responsáveis por produtos terapêuticos, isto é genes normais, ou b) células geneticamente modificadas com a finalidade de bloquear a atividade de genes prejudiciais, ativar mecanismos de defesa imunológica, ou ainda produzir moléculas de interesse terapêutico (Nadir e Ventura, 2005).
O primeiro protocolo de terapia gênica em humanos foi realizado em 1990. Desde então, as técnicas para a realização da terapia gênica humana multiplicam-se rapidamente. Apesar de pouco sucesso documentado e algumas intercorrências, a terapia gênica tem revelado influência importante no paradigma clínico para o tratamento de doenças herdadas e não herdadas. Uma boa revisão dos trabalhos encontra-se em Culver (1996) e Crofts e Krimsky (2005).
Atualmente as estratégias utilizadas para experimentação em terapia gênica são: a) inserção de um gene em local não específico do genoma para substituição de um gene não funcional, b) um gene anormal pode ser substituído por um gene normal pela recombinação homóloga, c) o gene anormal pode ser corrigido por mutação reversa seletiva, o que retorna o gene à sua função normal, d) a regulação da expressão gênica de um determinado gene pode ser alterada.
Especificamente para o esporte, a terapia gênica oferece um caminho promissor na recuperação de tecidos de baixa capacidade regenerativa, tais como tendões, cartilagens e músculos esqueléticos, facilitando a recuperação de rompimentos de ligamentos cruzados (anterior e posterior), meniscos, lesões em cartilagens, e calcificação óssea tardia pela inserção de fatores de crescimento (IGF-1, bFGF, NGF, PDGF , EGF , TGF-alpha, TGF-beta, BMP-2)[5] para estimular a cicatrização (Martinek et al., 2000, Huard et al., 2003).
Foi partindo da premissa e das perspectivas da terapia gênica que surgiu o termo - e o temor - Doping Genético na WADA em 2003. O termo refere-se à utilização não terapêutica de genes, elementos genéticos e/ou células que têm a capacidade de melhorar o desempenho esportivo (WADA, 2003).
Diferentemente do objetivo da terapia gênica, que consiste em alterar um gene para obter a cura como resultado, o doping genético não requer exatamente a modificação em um gene específico, pois há muitos genes que, se modificados, podem levar ao aumento do desempenho esportivo. Rankinen et al. (2004) elaboraram, a partir de dados da literatura específica, um mapa com os genes candidatos para os fenótipos de desempenho físico e saúde. Como tem sido um trabalho constante do pesquisador desde 2000, na atualização de 2003 do mapa foram registrados 109 genes nucleares, dois ligados ao cromossomo X e 15 mitocondriais. Na atualização de 2005 os autores incorporaram os genes que foram associados tanto à condição física quanto aos indicadores de sedentarismo. Assim, a nova versão inclui 140 genes autossômicos e QTLs[6], além de quatro genes ligados ao cromossomo X e 16 genes mitocondriais (Wolfarth, 2005).
Os genes candidatos ao doping genético mais estudados são EPO (eritropoietina), IGF-1 (fator de crescimento 1, semelhante à insulina) e GDF-8 (miostatina). O VEGF (fator de crescimento vascular), o LEP (leptina) e o gene codificador da endorfina também foram mencionados como fortes candidatos. No Congresso Pré-Olímpico de 2004, o VEGF foi citado como provável alvo por aumentar o número de vasos sanguíneos permitindo uma maior vascularização dos diferentes órgãos solicitados pela prática desportiva. O gene codificador da endorfina também foi apresentado como estratégico por aumentar o limiar da dor, permitindo treinos e competições ainda mais intensos (van Hilvoorde, 2004).
4.1 – Principais genes candidatos ao doping genético
A) Eritropoietina (EPO) - A Eritropoietina é uma citocina de 34kDa de massa molecular, historicamente considerada hormônio (glicoprotéico), sintetizada pelo gene EPO localizado em 7q21[7]. É o principal regulador da produção de células vermelhas, com função de promover a diferenciação eritrocitária e o início da síntese de hemoglobina. É sintetizada principalmente pelas células renais, porém os astrócitos também produzem EPO (OMIM, 2005). Como o aumento na quantidade de EPO aumenta o número de glóbulos vermelhos no sangue e a produção de hemoglobina, a administração de vários tipos de EPO, recombinantes e similares (rHuEPO-α, rHuEPO-β, rHuEPO-ω, darbepoietina-α, rHuEPO-δ/GA-EPO, rHuEPO encapsulada, EPO miméticos), é útil no tratamento de anemias severas (congênitas, adquiridas, e causadas por insuficiência renal crônica). Por raciocínio semelhante, a administração de EPO é uma das formas de aumentar o transporte de oxigênio e, consequentemente, o desempenho esportivo em modalidades de longa duração. Pesquisas revelaram que a introdução de vírus contendo EPO aumentou cerca de 80% o hematócrito de camundongos e macacos (cf. Unal eUnal, 2004). O uso dos vetores retrovirais (Osborne et al., 1995), adenovirais (Tripathy et al., 1994), DNA puro e a transferência de linhagens de células transfectadas (fibroblastos e músculos), também foram eficientes em roedores (Hamamori et al., 1994). No entanto ainda faltam estudos para garantir a segurança e eficácia do método para a cura de anemias agudas e crônicas (Culver, 1996). Experimentos conflitantes são os que revelaram a eficácia da terapia gênica com EPO em macacos (Zhou et al., 1998), pois da mesma maneira que a transferência gênica se revelou eficiente, foi responsável pelo aumento excessivo de EPO (75%), levando a uma concentração de hemácias incompatível com a vida. Pesquisa recente revela que o controle farmacológico da expressão gênica será necessário para a segurança e eficácia da terapia gênica (Rivera et al., 2005). Além de EPO, é possível modificar a hemoglobina como estratégia para oferecer aumento de oxigênio aos tecidos. Gaudard et al. (2003) oferecem uma extensa revisão sobre o assunto com especial referência ao doping sanguíneo. Estudos mais recentes procuram estratégias para a detecção do doping genético provocado por EPO com técnicas biomoleculares, é o que revela o editorial da revista científica Haematologica (2004), que dedicou um fascículo inteiro ao tema.
B) Fator de crescimento 1 semelhante à insulina (IGF-1) - O fator de crescimento 1 semelhante à insulina (também conhecido como fator de crescimento muscular ou somatomedina C), codificado por um gene localizado em 12q22-q24.1, é uma cadeia polipeptídica simples contendo 70 aminoácidos. O IGF-1, além de ter estrutura tridimensional semelhante à da insulina, permite a ação do hormônio de crescimento por ser mediador de muitos, se não de todos, os efeitos deste hormônio (OMIM, 2005). Apesar do IGF-1 sérico ser sintetizado em maior quantidade pelo fígado, outros tecidos também o sintetizam e são sensíveis ao seu efeito. Os genes finais na cascata de síntese do GH incluem o IGF-1 e seu receptor IGF-1R, cujos produtos estimulam o crescimento em vários tecidos, incluindo ossos e músculos (Phillips, 1995; Rimoin and Phillips, 1997 apud OMIM, 2005). Na circulação, os IGFs são predominantemente unidos às proteínas de ligação (IGFBPs), que prolongam a meia vida dos IGFs e têm função de enviá-los aos tecidos alvo (Yakar et al., 1999). O processo de envelhecimento humano leva a um declínio da massa e do desempenho muscular esquelético, comprometendo a integridade muscular com invasão fibrótica em substituição ao tecido contrátil. Musaro et al. (2001) bem como Barton-Davis et al. (1998) e Barton et al. (2002), trabalhando com modelos animais, sugeriram que a transferência gênica de IGF-1 para o músculo poderia servir de base para a terapia gênica como prevenção da perda de função muscular associada ao envelhecimento, além de servir de benefício às doenças nas quais há muitas lesões no músculo esquelético tais como as distrofias musculares. O aumento do IGF-1 também pode promover a hipertrofia através de um aumento na síntese protéica e proliferação de células satélites. Lee et al. (2004) verificaram um aumento da hipertrofia através do efeito acumulativo da combinação de exercício de resistência e administração de IGF-1 que resultou em aproximadamente 30% de aumento de massa muscular e força em camundongos. A combinação do exercício de resistência e a expressão de IGF-1 induziram mais a hipertrofia que os dois isoladamente. Além disto, a perda de massa muscular pelo destreino foi maior quando não houve a administração de IGF-1. Resumidamente presume-se que as fissuras microscópicas nas fibras musculares, causadas pelo esforço, disparam um alarme químico que ativa os genes nucleares e desencadeia a regeneração do tecido (não a produção de novas células, mas a recuperação da membrana exterior das já existentes) e o preenchimento do seu interior com novas miofibrilas. Quando a demanda por miofibrilas é muito grande, as células-satélites respondem ao sinal, promovendo a divisão celular (hiperplasia) e depois algumas se fundem com a fibra muscular (hipertrofia). A regulação desse processo envolve tanto os genes que incentivam (IGF-1) quanto os que inibem (GDF-8) o crescimento muscular (Sweeney, 2004). Obviamente, alterações nestes genes seriam altamente desejáveis para a melhora no desempenho em muitas modalidades esportivas.
C) Miostatina (GDF-8) - A superfamília do fator de crescimento transformante beta compreende um grande número de fatores de crescimento e diferenciação fundamentais na regulação do desenvolvimento embrionário e manutenção da homeostase tecidual em animais adultos e em desenvolvimento. O GDF-8 é um gene desta superfamília localizado na região 2q32.2 responsável pela codificação da miostatina, uma proteína de controle e manutenção da massa muscular esquelética (OMIM, 2005). Durante os primeiros estágios da embriogênese a expressão do GDF-8 é restrita ao compartimento miotômico dos somitos, nos estágios posteriores, e nos animais adultos, o GDF-8 é expresso na musculatura esquelética. A expressão de miostatina parece não modificar conforme a idade (Costa, 2002). No músculo esquelético a miostatina é transcrita como um RNA mensageiro de 3.1kb que codifica uma proteína precursora contendo 335 aminoácidos. Esta proteína é expressa, sofre clivagem, é secretada no plasma e pode ser detectada nas fibras musculares esqueléticas do tipo I e II (Gonzalez-Cadavid et al., 1998). Em camundongos adultos, a miostatina circula como uma forma latente no sangue que pode ser ativada em meio ácido, similar ao TGF-β[8]. A expressão excessiva de miostatina sistêmica em ratos adultos induziu a perda de massa muscular profunda e de gordura sem, no entanto, diminuir a absorção de nutrientes (Zimmers et al., 2002). Para determinar a função biológica da miostatina, McPherron et al (1997) inviabilizaram a expressão do gene GDF-8 em camundongos. Como resultado, os animais ficaram significantemente maiores que os não modificados, e a análise de cada músculo revelou aumento de duas a três vezes na massa muscular quando comparados aos animais não transformados. Estes aumentos foram atribuídos a uma combinação de hiperplasia e hipertrofia. Outros experimentos em camundongos (Lin et al., 2002; McPherroneLee, 2002) também revelaram aumento na massa muscular, além de redução na produção e secreção de leptina, sugerindo que a miostatina estivesse envolvida tanto na regulação do tecido adiposo quanto na do tecido muscular estriado esquelético. Além disto, os autores perceberam que a inibição da miostatina atenua parcialmente a obesidade e o diabetes tipo II, sugerindo que os agentes farmacológicos que bloqueiam a função da miostatina deverão ser úteis, não somente para promover o crescimento muscular, mas também para desacelerar, ou prevenir, o desenvolvimento da obesidade e do diabetes tipo II. Bogdanovich et al. (2002) testaram a inibição da miostatina in vivo em camundongos mdx[9]. Os resultados revelaram aumento de peso, massa, tamanho e força muscular absoluta, com uma diminuição significante na degeneração muscular, e concentração sérica de creatino-quinase. Os autores concluíram que o bloqueio da miostatina oferece uma boa estratégia para o tratamento de doenças associadas à perda muscular como, por exemplo, a Distrofia Muscular de Duchenne. Em experimento semelhante, Wagner et al. (2002) verificaram redução na extensão da fibrose muscular e melhora em algumas características do fenótipo distrófico. Em pesquisa brasileira, a expressão diferencial do gene GDF-8 nos músculos gastrocnêmio e diafragma de camundongos mdx e controles, realizada por Costa (2002), revelou que o músculo gastrocnêmio do camundongo mdx apresentou baixa taxa de degeneração e alta taxa de regeneração quando comparado ao diafragma, que, por sua vez, apresentou alta taxa de degeneração e baixa taxa de regeneração. O autor também verificou hiperexpressão do gene GDF-8 no gastrocnêmio de camundongos mdx. Assim, hipotetizou a existência de um mecanismo de retroalimentação negativa para a expressão do gene GDF-8 devido à relação entre regeneração tecidual e expressão proteica. A expressão do gene GDF-8 é similar em tecidos musculares de pacientes portadores de dois tipos de distrofia muscular (Duchenne e Becker) com diferentes graus de comprometimento clínico (2002). Com vistas às perspectivas de terapia gênica Walter et al. (2000) postularam uma perspectiva de mensurar a expressão da miostatina de forma não invasiva, enquanto Blankinship et al. (2004) enfatizaram a eficácia dos adenovírus como vetores mais apropriados para carregar o GDF-8. Curiosamente, foi identificada uma variação alélica em uma mãe e uma criança com hipertrofia e força muscular incomuns, uma mutação que levou à síntese de proteína severamente truncada, que, no entanto, não provocou anormalidade da função cardíaca em ambos (Schuelke et al., 2004).

4.2 – Considerações sobre a terapia gênica
Nos últimos anos as tecnologias biomoleculares vêm sendo aplicadas na área biomédica principalmente para o diagnóstico de doenças. Porém, diferentemente dos testes de paternidade e dos exames de identificação criminal, que passaram a ser feitos pela análise do DNA e oferecem mais de 99,999% de fidedignidade diagnóstica, ainda não há terapias gênicas 100% eficazes e seguras à saúde humana.
As terapias gênicas atuais ainda são experimentais e não foram muito bem sucedidas na clínica médica, principalmente após a morte de um adolescente que participava de um protocolo para a Deficiência da Ornitina Transcarboxilase, em 1999. A causa da morte foi atribuída ao vetor, adenovírus, porque o rapaz apresentou uma resposta imune severa que levou à falência múltipla de órgãos quatro dias após o tratamento. Em 2003, a FDA (Food and Drug Administration, departamento americano de controle de alimentos e remédios) interditou as pesquisas com vetores retrovirais em células tronco sanguíneas como conseqüência do desenvolvimento de leucemia por duas crianças após a terapia gênica para um tipo de imunodeficiência severa condicionada por um gene ligado ao cromossomo X (PGH, 2005).
As principais dificuldades atuais relacionadas à eficácia da terapia gênica são:
A) Efeito transitório – para que ocorra a cura permanente pela terapia gênica, os DNAs introduzidos nas células alvo precisam permanecer nas células sintetizando proteínas. Pressupõe-se, também, que as células que recebem o DNA terapêutico precisem ter tempo de vida longo. Alguns problemas, como a integração do DNA ao genoma e a divisão celular, impedem, em muitas células, que a terapia gênica ofereça benefícios a longo prazo, fazendo com que os pacientes passem por várias sessões durante o tratamento.
B) Resposta imunológica – o sistema imunológico reconhece qualquer vetor como agressor ao organismo. Devido às inúmeras sessões de terapia gênica há o risco do sistema imunológico ser excessivamente estimulado, reduzindo a efetividade da terapia gênica.
C) Vetores virais – apesar dos vírus serem os melhores vetores em muitos estudos, podem provocar alterações nos pacientes, tais como toxidade, resposta imunológica e inflamatória, e controle gênico dos tecidos alvo. Além disto, há sempre o receio de que os vetores virais recuperem suas habilidades de causar doenças, ou que estimule o desenvolvimento de outras, principalmente o câncer.
D) Doenças poligênicas – as doenças causadas por mutações em apenas um gene são as mais indicadas para o tratamento com a terapia gênica. Infelizmente, os problemas mais comuns como doenças cardíacas, hipertensão, diabetes, mal de Alzheimer e artrite dentre outros, são causados por efeitos acumulativos de vários genes. As doenças poligênicas ou multifatoriais como estas são especialmente difíceis de serem tratadas efetivamente pela terapia gênica[10].
As discussões acerca da existência do doping genético aparecem mais em veículos de divulgação do que em periódicos científicos. Por ocasião dos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, os jornais e a internet lançaram muitas matérias, algumas das quais, juntamente com artigos científicos, foram redirecionadas e discutidas pelos participantes das listas de discussão sobre doping (Cevdopagem, 2004) e genética (Cevgenética, 2004), duas das mais de cem listas temáticas de discussão sobre esportes do Centro Esportivo Virtual[iii].
Analisando cientificamente podemos inferir que a terapia gênica e o doping genético, caso existam ou venham a existir de fato, ocorreriam por procedimentos idênticos, porém com finalidades diferentes. Pressupõe-se, deste modo, que a inserção de material genético em indivíduos saudáveis seja uma enorme insensatez, uma vez que as técnicas de terapia gênica ainda estão sendo estudadas e estão sob a proibição da FDA. No entanto, verifica-se que a biotecnologia necessária para a realização de tais transferências gênicas já está disponível e será cada vez mais eficaz.
“Todo mundo vê na EPO e nos hormônios de crescimento medicamentos químicos ou bioquímicos. Mas estas proteínas são mesmo fabricadas por engenharia genética e constituem o primeiro passo rumo ao doping genético. Logo, esta forma de doping já existe” (Dîne, 2003), todavia a produção de insulina ocorre por técnicas semelhantes de clonagem bacteriana desde 1979. Se o doping genético já foi ou está sendo realizado neste momento, os atletas estão servindo de cobaias humanas à pseudo ciência. De fato, “fala-se de experimentação humana quando toma-se algo desconhecido, faz-se tentativas e julgam-se, posteriormente, os resultados” (Escande, 2003). Com efeito, testar tratamentos médicos em pessoas saudáveis subleva problemas complexos de ordem bioética frequentemente associados à implicações de ordem legal.
Ainda sabemos muito pouco sobre as interações entre os genes no organismo humano. O sequenciamento do genoma humano revelou a existência de um número de genes menor do que o esperado[11]. Tal fato sugere a existência de mais pleiotropismos (e provavelmente de outros mecanismos ainda desconhecidos) para explicar a variedade e a interação entre as proteínas expressas no corpo humano. O pleiotropismo é a propriedade pela qual um gene, e sua respectiva proteína, influi em duas ou mais características, ou seja a proteína sintetizada por um único gene pode atuar em vários órgãos e tecidos do corpo humano.
Considerando este aspecto podemos imaginar que a (re)posição de um gene defeituoso ou ausente, ou o bloqueio gênico da síntese de uma proteína em uma pessoa submetida à terapia gênica oferece tantos benefícios que eventuais efeitos colaterais decorrentes do pleiotropismo seriam insignificantes. Entretanto, em pessoas saudáveis, como é o caso de atletas, a inserção de genes extras poderia levar não somente à síntese exacerbada de proteínas e consequentemente ao aumento do desempenho esportivo esperado, como também a prejuízos imprevisíveis, inclusive ao próprio desempenho esportivo.
Se utilizarmos o gene da EPO como exemplo, verificaremos que a inserção deste gene em pessoas com anemias severas é extremamente funcional, pois os benefícios são muito óbvios. No entanto, se considerarmos os atletas de alto rendimento, verificaremos que a demanda por O2 no músculo não depende somente de altas concentrações de hemácias, mas também de uma boa capacidade cardio-repiratória, bem como da absorção intramuscular do O2. Em atletas o aumento de EPO pode não significar exatamente maior aumento de absorção de O2 pelo músculo. Não se deve desconsiderar, também, os múltiplos efeitos colaterais de um hematócrito muito elevado, além do que ainda é inviável “desligar” qualquer gene uma vez inserido no corpo humano. Ainda, infecções indesejáveis podem decorrer de tentativas de doping genético em função das variações imunológicas sofridas pelos atletas submetidos a programas de treinamento intenso. Contraditoriamente, a terapia gênica com injeção de IGF-1 muscular tende a ser mais segura porque parece que a proteína produzida pela isoforma muscular fica restrita ao músculo que recebe o tratamento. No entanto, a alteração gênica provocada desta maneira teria menos eficácia em atletas do que em pacientes porque os atletas têm danos musculares mais frequentes, facilitando a perda dos genes inseridos facilmente (Sweeney apud Aschwanden, 2000). Um grande problema para a WADA é que a terapia gênica não tem a preocupação de ser ou não detectável. No entanto, já em 2000 procuravam-se estratégias para a detecção de doping genético pelos traços dos vetores, e pela super expressão proteica em atletas (Aschwanden, 2000). Porém, ao avaliar a super expressão protéica, atualmente não é possível detectar eficazmente se a mutação foi induzida pelo doping genético ou herdada, como no caso de Mantyranta, ou do recém descoberto portador do alelo mutante do GDF-8 (Schuelke et a., 2004). Algumas discussões sobre o doping genético apontam para preocupações da WADA com a detecção e para a percepção de que a descoberta de novos genes, aliada às perspectivas de sucesso na terapia gênica, dificultarão o antidoping genético (McCrory, 2003; Vogel, 2004).
Concluindo, características poligênicas aumentam as possibilidades de genes a serem modificados. Características multifatoriais, sujeitas às ações ambientais (alimentação, treino, etc.) dificultam a detecção de modificações genéticas. Polimorfismos genéticos[12], por exemplo de genes responsáveis pelo metabolismo de substâncias tóxicas (P450, NATs, GST, etc. Michael e Doherty, 2005), tornam ainda mais difícil a detecção de alterações genéticas. Procurar estabelecer testes antidoping para uma infinidade de possibilidades prestes a acontecer nos próximos anos é insano.
Quanto aos dois primeiros critérios da WADA de inclusão de substâncias ou métodos ou na lista proibida, fica claro que a modificação de genes tem o potencial de melhorar o rendimento esportivo, porque tem o potencial de curar doenças. Porém, não é possível prever as conseqüências da modificação de genes em pessoas saudáveis, principalmente atletas, nos quais o aumento de massa muscular poderá comprometer, por exemplo, os tendões e ligamentos, levando à diminuição no desempenho esportivo e possivelmente, na saúde do atleta. Entretanto, ainda não há dados suficientes na literatura que nos permita responder, com exatidão, se o doping genético contempla os critérios de inclusão de substâncias na lista da WADA. Estas questões serão respondidas de acordo com os avanços das pesquisas relacionadas à terapia gênica. O fato é que a WADA opta pela inadequação das inúmeras formas de manipulações genéticas aos princípios fundamentais do olimpismo. Neste ponto é possível também cogitar que a tomada de consciência da evolução inevitável por que passa, e por que passará, a Biologia Molecular, com todos os seus reflexos e impactos na melhora da qualidade de vida dos seres humanos, requereria da Agência Mundial Antiodoping uma sintonia mais fina com a realidade. Impossível não se lembrar da máxima de Georges Rippert, segundo a qual “quando o Direito ignora os fatos, os fatos se vingam e ignoram o Direito”. Mais especificamente, “não há porque produzir normas ou regulações de fatos que não possuam uma dimensão social abrangente. Numa hipótese, em concreto, que venha tangenciar, eventualmente, a área jurídica, poderia ter sua solução equacionada por um juiz, com o instrumental legal de que dispõe. Por outro lado, o Direito mantém-se aprisionado ao dogma da eficiência de seu equipamento conceitual: toda e qualquer mudança no mundo da realidade, qualquer que seja o setor, será absorvida, sem precipitações, na teia jurídica” (Franco, 2005). Com relação ao terceiro critério, uma vez que as terapias gênicas tendem a ser realizadas com sucesso nos próximos anos, pressupõe-se que as alterações gênicas sejam procedimentos terapêuticos tão naturais quanto tomar uma vacina em 1904. Assim, seria mais interessante investir em discussões éticas e programas de prevenção ao doping genético na comunidade esportiva. Segundo Oliver Rabin, diretor científico da WADA, idealmente cada atleta deveria submeter um “passaporte” biológico contendo informações genéticas sobre sua bioquímica. Ao encontrar alguma anormalidade, os atletas poderiam ser clinicamente acompanhados. A técnica de microarrays, que mede quantitativamente a expressão de milhares de genes de uma só vez, poderia detectar neste “passaporte”, a expressão de genes extras ou alterados, resultantes do doping genético. No momento estes testes ainda são muito dispendiosos (Vogel, 2004). Resta apenas saber como o Rastreamento Genético seria recebido pelo mundo esportivo, presumindo-se que tal recurso esteja disponível em alguns anos de forma comprovadamente segura.
Doping genético é a expressão utilizada para sintetizar a “utilização para fins não terapêuticos de células, genes, elementos genéticos, ou de modulação da expressão genética, que tenham a capacidade de melhorar o desempenho esportivo”[iv] (WADA, 2003). Hipoteticamente, esta utilização implicaria na suspensão mínima de dois anos das atividades esportivas (WADA/AMA, 2003, artigo 10.2), à condição que se pudesse produzir prova material dos efeitos da terapia genética, algo ainda não relatado na comunidade científica.
Assim, de um lado, à luz das recentes incursões científicas no campo da Biologia Molecular, e tendo-se em conta a definição corrente de doping genético, somos remetidos a questionar a utilidade de se prever punição para algo que ainda não se pode provar. De outro lado, há relatos de pesquisas em curso nesta área do conhecimento humano que também tratam da modificação dos níveis de sensibilidade dos receptores hormonais, da otimização do transporte e duração de vida dos hormônios no organismo, ativação de neurotransmissores que agem no sistema nervoso central (Volodalen, 2005), entre outras que podem vir a ter impacto positivo na qualidade de vida do ser humano, como atestam os especialistas no assunto.
Também para a Agência, “a terapia genética representa um importante passo na pesquisa médica” (WADA, 2005, editorial). Fala-se, então, de um possível legado para a humanidade, o que é contraditório com a determinação de que “sua utilização para melhorar o desempenho esportivo é tão errado quanto qualquer forma de doping tradicional” (id ibidem). Desde 1968, no mínimo, tem-se a consciência de que “a ciência tem com efeito dado uma nova dimensão aos Jogos Olímpicos, aportando às ciências médicas uma pesquisa muito mais vasta sobre o melhoramento da espécie humana”[v] (AAFLA, pág 968). É precisamente isto que justifica a assertiva segundo a qual “não seria razoável proibir atletas geneticamente modificados de participar de competições esportivas” (Miah, 2004), sobremaneira quando não se negligencia que em todo o mundo estão atualmente sendo investidos recursos vultosos no desenvolvimento das tecnologias biomoleculares. Equivale dizer que, nem todo aquele que sofre algum tipo de intervenção biomolecular deveria ser proibido de participar de competições esportivas.
Finalmente, a utilização de tecnologias biomeleculares por atletas com o objetivo de melhorar seu desempenho não fere, em princípio, os preceitos fundadores do movimento olímpico, ao contrário. Fala-se, aqui, de excelência, de desenvolvimento humano, nos sentidos mais amplos que os termos podem tomar, à condição que tais recursos tenham sido satisfatoriamente testados e estejam ao alcance, ao menos formal, de todos. É precisamente isto que justificaria, em nosso entender, ser inócuo o tratamento que a Agência Mundial Antidoping vem dispensando ao tema, notadamente em se considerando sua razão de existir. E a aceitação de que as tecnologias biomoleculares serão postas ao alcance dos atletas, como parece já ocorrer, implicaria, por parte da Agência, a economia de milhões de dólares que poderiam ser alocados de outras formas. Sobretudo no que diz respeito aos acompanhamentos médicos longitudinais, de caráter preventivo, que substituiria, por sua maior propriedade e por seu caráter mais humanista, o atual sistema punitivo, repleto de equívocos e brechas – sob o ponto de vista científico – e que propicia, aos atletas mais bem informados reparações de danos morais e materiais, pela fragilidade probatória e desrespeito ao sigilo com que as punições são atualmente aplicadas.


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Notas
[1] Bióloga, Mestre em Genética, Professora do Curso de Educação Física do UniFMU.
[2] Advogado, Membro Consultor da Comissão de Legislação e Direito Desportivo do Conselho Federal da OAB.
Revisão: Ms Cleber da Silva Costa, professor de genética da Uninove e UniA.
[3] Vide referências.
[4] Agente que tenha a propriedade de mascarar a utilização de outras substâncias ou métodos, e.g., alguns diuréticos.
[5] IGF-1 = insulin-like growth factor-1; bFGF = basic fibroblast growth factor; NGF = nerve growth factor; PDGF = platelet-derived growth factor; EGF = epidermal growth factor;TGF = transforming growth factor; BMP-2 = bone morphogenetic protein-2
[6] Quantitative trait loci são regiões polimórficas de um cromossomo contendo alelos que influenciam diferentemente a expressão de uma característica quantitativa.A presença do QTL é inferida a partir do mapeamento genético.
[7] Nomenclatura cromossômica. Neste caso, o gene que codifica a EPO se localiza na região 21 do braço longo (q) do cromossomo 7 humano.
[8] Peptídeo multifuncional que controla a proliferação, diferenciação, e outras funções em muitos tipos celulares
[9] Linhagem de camundongos com distrofia muscular
[10] Seria necessária a correção de vários genes que codificam estas condições, muitos dos quais ainda desconhecidos.
[11] 20.000 a 25.000 ao invés dos 35.000
[12] Formas variantes de um mesmo gene, como ocorre com o sistema ABO
[i] Doping pode ser 1) «absorção de substâncias, medicamentos ou de princípios farmacológicos ativos, assim como o recurso a práticas médicas não justificadas por condições patológicas, para modificar as condições do organismo no intuito de alterar o desempenho esportivo do atleta” (REPÚBLICA ITALIANA, artigo 1); 2) “a administração a um esportista ou o uso feito por este, de classes farmacológicas de agentes ou métodos dopantes” (COUNCIL OF EUROPE), 3) “a utilização, no curso de competições e manifestações esportivas (...) ou em vista de participar delas, de substâncias e procedimentos que tenham a propriedade de modificar artificialmente a capacidades atlética ou de mascarar a utilização de substâncias que tenham esta propriedade" e “recorrer a estas substâncias ou procedimentos cuja utilização seja submetida a condições restritivas sem que estas condições sejam preenchidas (RÉPUBLIQUE FRANÇAISE, artigo 15); 4) “a administração aos praticantes desportivos ou o uso por estes de classes farmacológicas de substâncias ou de métodos constantes das listas aprovadas pelas organizações desportivas nacionais e internacionais competentes” (REPÚBLICA PORTUGUESA, artigo 2); 5) “a substância, agente ou método capaz de alterar o desempenho do atleta, a sua saúde ou espírito do jogo, por ocasião de competição desportiva ou fora dela” e “a administração ao atleta, ou o uso por parte deste, de substância, agente ou método capaz de alterar o desempenho do atleta, prejudicar a sua saúde ou comprometer o espírito do jogo, por ocasião de competição desportiva ou fora dela” (REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL).
[ii] Em 1967, ocasião em que assumia a presidência da Comissão Médica do COI, Alexandre de Mérode (Prince de Mérode) (apud Lapouble, 1999, p. 121) expunha os princípios de base da luta antidoping, a saber: "défense de l'Ethique Sportive, protection de la santé des athlètes et mantien des chances égales pour tous". Poderíamos acrescentar, hoje, que além da ética esportiva, da proteção da saúde dos atletas e da igualdade de oportunidades, deve-se considerar a interrelação no plano social das condutas aditivas no esporte.
[iii] O Centro Esportivo Virtual é uma organização não governamental brasileira constituindo-se em um centro de documentação e informação esportiva cujo portal na Internet se encontra em <http://www.cev.org.br>.
[iv] Cf “the non-therapeutic use of cells, genes, genetic elements, or of the modulation of gene expression, having the capacity to enhance athletic performance”.
[v] Cf. “La science a en effet donné une nouvelle dimension aux Jeux en ajoutant aux recherches de médecine sportive une enquête beaucoup plus vaste sur l'amélioration de l'espèce humaine”.